terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Limiar da pobreza, desemprego e manipulação da opinião pública em Portugal.

“Uma das formas clássicas de manipulação da opinião pública é tomar como a totalidade de uma noticia apenas uma parte dela, por vezes uma parte acessória, e depois, como a opinião não tem a acesso à totalidade e por isso não a pode controlar, divulgar essa parte como fosse a totalidade, escondendo desta forma o essencial da noticia. É isso precisamente o que tem acontecido nas últimas semanas em Portugal a propósito da redução do direito aos apoios sociais e em relação ao subsidio de desemprego, cujo direito e valor foram também reduzidos.
O governo lançou uma gigantesca operação de manipulação da opinião publica com o objectivo de convencer esta, que a legislação que publicou recentemente (Decretos Lei 70/2010; 72/2010, e 77/2010), visa apenas introduzir maior rigor na atribuição dos apoios sociais excluindo apenas aqueles que não necessitam e não têm direito a eles. E a campanha, que assentou em múltiplas declarações de membros do governo, nomeadamente do Ministério do Trabalho, centrou-se fundamentalmente na obrigação agora dos beneficiários, para terem direito a esse apoio, de autorizar o acesso às contas bancárias e de passarem a serem considerados a totalidade dos seus rendimentos. Muitos órgãos de informação, intencionalmente ou por não terem estudado a legislação publicada, acabaram por participar nesta campanha de manipulação da opinião pública ao reduzirem a noticia apenas a este aspecto referido pelo governo, "esquecendo" de acrescentar também na noticia que divulgavam, as alterações mais graves constantes dos Decretos-Lei 70/2010, 72/2010 e 77/2010. E as alterações mais graves introduzidas pelo governo na legislação que estava em vigor não são as mencionadas pelo governo e por muitos órgãos de informação de uma forma repetida.
A nível de apoios sociais a alteração mais grave foi aquela que o governo introduziu (e isso tem sido sistematicamente silenciado) no cálculo da chamada "condição de recursos" que determina que se tenha ou não direito ao apoio social. E essa alteração feita pelo governo visa aumentar artificialmente o rendimento "per capita" familiar para assim excluir dezenas de milhares de portugueses do acesso aos apoios sociais. Para se ter uma ideia da dimensão da exclusão basta dizer que o próprio governo prevê, com esta alteração e não com o aumento do "rigor", obter uma "poupança" de 200 milhões de euros por ano com as alterações que introduziu na legislação que estava em vigor.
Para conseguir isso o governo alterou duas condições fundamentais utilizadas no cálculo do rendimento "per capita" familiar. E essas duas condições são as seguintes: Diferentemente do que sucedia antes, passou a ser considerado no seu cálculo o rendimento de pessoas que antes não eram consideradas como as pensões dos avós e as remunerações dos filhos maiores que, sob o ponto de vista fiscal, são considerados como contribuintes autónomos. E, em segundo lugar, com excepção do primeiro adulto, que corresponde ao coeficiente "1", o coeficiente aplicado aos restantes adultos é apenas de "0,7" por cada, e aos filhos menores apenas "0,5". Por exemplo, uma família com os 2 progenitores e dois filhos menores que antes eram considerados 4 pessoas, por isso o rendimento familiar era até aqui dividido por 4 para se obter um rendimento "per capita", que determina que se tenha direito ou aos apoios sociais, agora com a alteração aprovada pelo governo, os mesmos dois adultos e duas crianças só contam como 2,7 (1+0,7+0,5+0,5=2,7) e, consequentemente, o rendimento familiar é dividido não por 4 mas apenas por 2,7, o que faz subir artificialmente o rendimento "par capita" familiar sendo excluído, desta forma, dezenas de milhares de portugueses do direito a apoios sociais mesmo que estejam no limiar da pobreza (358€/mês). Se se incluir as pensões dos avós e as remunerações dos filhos maiores independentes a situação ainda se agrava mais pois o coeficiente atribuído a cada um é apenas 0,7. Ora tudo isto tem sido "esquecido" sistematicamente quer pelo governo quer por alguns dos grandes media na sua campanha de manipulação da opinião pública.
Uma outra medida com efeitos semelhantes é a que o governo também tomou a nível do subsídio de desemprego sistematicamente esquecida. Com o início da actual crise, com a subida do desemprego, o governo tinha decidido que para ter acesso ao subsídio de desemprego era suficiente ter descontado 365 dias para a Segurança Social nos últimos dois anos. Com a alteração que introduziu agora na lei do subsidio de desemprego passam a ser necessários 450 dias de descontos para a Segurança Social, o que determina que milhares de desempregados com emprego precário, quando sejam despedidos, deixem de ter direito ao subsidio de desemprego, pois não conseguem descontar aquele numero dias para a Segurança Social. São estas algumas das alterações importantes que foram introduzidas na legislação anterior e que tanto o governo como muitos media têm "esquecido" configurando assim, objectivamente, uma autêntica campanha de manipulação da opinião pública e de falta de objectividade na informação. Mas a campanha de manipulação da opinião pública não se tem limitado apenas a isto. Nos últimos dias ela abrangeu também os dados sobre o desemprego, com a utilização dos publicados mensalmente pelo IEFP:
CONTINUAM A SER ELIMINADOS DEZENAS DE MILHARES DE DESEMPREGADOS DOS FICHEIROS DOS CENTROS DE EMPREGO SEM QUE SE DIVULGUEM AS RAZÕES
Uma forma de reduzir o desemprego registado nos Centros de Emprego é eliminar, administrativamente, milhares de desempregados dos ficheiros dos Centros de Emprego. É isso o que os responsáveis do IEFP fazem todos os meses sem que se dignem divulgar as razões que os levam a fazer isso. Basta fazer umas contas muito simples para concluir isso.
De acordo com os dados divulgados mensalmente pelo IEFP no dia 1 de Janeiro de 2010 estavam inscritos nos Centros de Emprego 524.674 desempregados. Nos primeiros 6 meses de 2010 inscreveram-se nos Centros de emprego mais 346.995 desempregados e os Centros de Emprego colocaram (arranjaram emprego), durante o mesmo período, apenas a 34.604 desempregados. Portanto, se somarmos aos 524.674 desempregados que existiam em 1.1.2010, os que se inscreveram durante o 1º semestre – 346.995 – e se depois retiramos os que foram colocados – 34.604 – obtém-se 837.065 desempregados. Era este o número de desempregados registados nos Centros de Emprego que devia existir em 30/06/2010. Mas o IEFP divulgou que existiam inscritos no Centros de Emprego, nesta data, apenas 551.868 desempregados. Portanto, faltam 285.197 desempregados que foram eliminados dos ficheiros dos Centros de Emprego por decisão dos responsáveis pelo IEFP, nomeadamente por decisão do seu presidente, cujas razões este se tem recusado divulgar apesar de solicitado. O gráfico seguinte mostra de uma forma clara o numero de desempregados eliminados mensalmente dos ficheiros dos Centros de Emprego em 2010.

por Eugénio Rosa [*]

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