sábado, 22 de janeiro de 2011

Depois da Tunísia, repensar o Mediterrâneo.

Se a Europa quer realmente encorajar a democracia na Tunísia, não basta que ofereça ajuda, escreve um especialista no mundo árabe. Tem que repensar toda a estratégia de vizinhança com os países árabes do Mediterrâneo.

Michel Camau

A notícia foi publicada ao final da manhã de 17 de Janeiro: a União Europeia (UE) está pronta a oferecer ajuda "imediata" à Tunísia, para a preparação de eleições livres e democráticas. Apostamos que este gesto dos "bons europeus" vai directo ao coração dos tunisinos. A Europa corre agora em seu auxílio, apesar de ainda ontem se ter comprometido com o governo de Ben Ali nas negociações para o reconhecimento de um "estatuto avançado" de parceria. Este oportunismo "virtuoso" não esconde um dado mais preocupante: é à sombra da Europa que o autoritarismo tem perdurado na Tunísia. Entre os países árabes do Mediterrâneo, a Tunísia, como Marrocos, distingue-se pela antiguidade e intensidade da sua cooperação com a CEE, depois UE. Foi o primeiro estado da costa sul a celebrar acordos euro-mediterrânicos de associação. No quadro desta "parceria euro-mediterrânica" (ou "Processo de Barcelona"), beneficiou de um grande apoio financeiro para adaptar a sua economia às condições do mercado livre. Em 2004, quando a União Europeia, alargada a 25 e depois a 27 países, promoveu a "política europeia de vizinhança", a Tunísia esteve, de novo com Marrocos, entre os primeiros países a aderir a este novo sistema de cooperação bilateral. Colou-se à Europa sem esperanças de adesão, mas seguindo uma versão "light" e “à la carte” dos critérios de Copenhaga: democracia, estado de direito, Direitos Humanos, direitos das minorias, economia de mercado.

Ambiguidade escandalizou deputados europeus

A Tunísia de Ben Ali quase parecia, assim, o "vigésimo oitavo" membro da UE, isento das exigências das normas políticas da União. Certamente que as questões da democracia, do estado de direito e dos Direitos Humanos figuravam na vanguarda das "acções prioritárias" acordadas entre a Tunísia e a União Europeia. Mas isso não passou de título de um capítulo entre muitos outros, incluindo "a luta contra o terrorismo”, a liberalização do comércio, o investimento estrangeiro directo e "a gestão eficaz dos fluxos migratórios". As acções em matéria de democratização limitaram-se a reformas administrativas e judiciais, bem como à adaptação da legislação às convenções internacionais. A ambiguidade da situação escandalizou muitos deputados europeus e obrigou a União a exercícios de contorcionismo. Apesar do empenho demonstrado na promoção da democracia no Mediterrâneo, a UE continuou a defender as suas preocupações em matéria de segurança, relacionadas com o islamismo político, o terrorismo e a pressão da migração subsariana que transformava o Magrebe em zona de passagem. A cooperação nestas áreas desenha os contornos de um sistema transnacional de vigilância, onde a democracia e o autoritarismo coexistem, passando a segurança de uns por entendimentos propícios à longevidade de outros. O regime de Ben Ali era o arquétipo do regime autoritário enquadrado pela Europa da decência democrática. Para o abalar, o povo tunisino teve que contar apenas com os seus próprios méritos. O apoio externo não veio de uma Europa desconfiada, muito menos de um governo francês complacente a ponto de oferecer a sua sabedoria policial, mas de medidas firmes e repetidas dos Estados Unidos contra os autores da cruel repressão.

"A democratização na Europa é uma escola de tiranos"

A Tunísia entrou numa fase de transição política, em que o jogo continua em aberto e o resultado é incerto. O desmantelamento do regime autoritário e a concretização das aspirações democráticas são da exclusiva competência dos tunisinos. Se a Europa quer demonstrar solidariedade nesta tarefa difícil e perigosa, terá que fazer mais do que propostas de auxílio, mesmo que para as eleições. Toda a sua estratégia de vizinhança com os países mediterrânicos deve ser reconsiderada. Deverá aprender com os acontecimentos de Janeiro na Tunísia, com a onda de choque numa zona próxima, tratada até agora como o lodo do espaço democrático europeu. A democracia não pode chegar à Tunísia, ou, por maioria de razão, aos seus vizinhos, através da contenção em fortificações. Nietzche dizia que "a democratização na Europa é, ao mesmo tempo e sem que o queiramos, uma escola de tiranos”. Desviemos a fórmula em função da actualidade e das nossas convicções democráticas. Matéria para reflectirmos – nós “os bons europeus" – nas nossas relações com a margem sul do Mediterrâneo.

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