João Rendeiro lançou um blogue. Antes um blogue que um banco: assim o prejuízo fica com o responsável.
É verdadeiramente surpreendente assistir ao regresso de João Rendeiro ao “espaço” mediático. Não pelo seu regresso: Rendeiro é livre de fazer o que entender e de se munir, como diz, de “lápis, folha A4, calculadora de bolso”. Mas pelo conteúdo: vem dar uma aula sobre banca; sobre o BPI; sobre o Banco de Portugal.
O descaramento não tem limites. O Banco Privado Português é um caso de polícia, defraudou milhares de clientes, é uma nódoa na história do sistema financeiro português, está em dissolução – mas o seu fundador e ex-presidente dá lições de banca. E de supervisão: chega ao cúmulo de acusar o Banco de Portugal de “política de avestruz”, precisamente aquilo de que foi acusado no BPP.
João Rendeiro não é um patinho feio, é uma ovelha negra para o sistema financeiro. Mas é inocente até prova em contrário. É arguido, no processo BPP, por fraude, abuso de confiança e falsificação, na sequência de queixa dos clientes e de reguladores. Nos últimos dois anos, depois da intervenção no banco, poucas vezes falou (nunca respondeu às perguntas do Negócios...) e quando o fez foi para se vitimizar e para se descartar. O seu argumento é de que não era presidente executivo do BPP à data dos factos. Quem dele suspeita quer provar que Paulo Guichard, que lhe sucedeu no cargo, era correia de transmissão de Rendeiro, que ficou “Chairman”. Quis juris? Os tribunais julgarão.
Há uma reacção típica em inocentes: dizerem-se perseguidos pelo sistema político, judicial, bancário ou mediático; nunca mostrar arrependimento, por medo de parecer confissão; e falar, porque um inocente não se cala. Rendeiro falou: o seu texto circula desde ontem à noite nas redes sociais e desde hoje nos jornais, incluindo o Facebook, onde João Rendeiro tem mais de mil amigos, todos eles posteriores ao descalabro do BPP.
Bom, mas admitamos participar no exercício de amnésia geral: vai o BPI ser forçado pelo Banco de Portugal a realizar um aumento de capital? O Banco de Portugal já o disse, no Relatório de Estabilidade do Sistema Financeiro, aliás em relação a todos os bancos: ou aumentam capital ou vendem activos ou reduzem crédito concedido. Disse-o em relação ao BES, o BPI ou BCP. E E Ulrich já respondeu. Não há uma novidade nisto, o que torna o texto uma viagem ridícula mas perigosa: o sistema financeiro está, como o País, no fio da navalha do acesso a financiamento e o alarmismo pode provocar o pânico. Algo que, em Outubro de 2008, ninguém fez ao BPP. Apesar de tudo.
Só há um banco sobre o qual Rendeiro deve falar: o esqueleto que sobra do seu. O resto é atrevimento e provocação. Mas que não deve ser ignorado: isso seria participar na inimputabilidade que Rendeiro reclama para si mesmo.
Este texto de Rendeiro não é prova de inocência, é falta de pudor. O BPP não é comparável ao BPN como um pionés não é comparável a um prego - mas ambos furam uma parede, a da solidez e reputação da banca portuguesa. Rendeiro nunca pediu desculpa nem mostrou qualquer remorso ou sequer consideração por aqueles que perderam dinheiro e viram as suas contas congeladas. Nem é necessário ser culpado para ter esse gesto de dignidade. Mas é preciso ser descarado para continuar, depois disso, a mandar “posts” – sobre banca...
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