Há cinco anos, o Governo dinamarquês estabeleceu a lista das obras destinadas a definir o que é a cultura nacional face à imigração e à globalização. Hoje, constata a imprensa, esse cânone cultural está um pouco esquecido. Desde Janeiro de 2006 que os dinamarqueses têm um cânone. Um cânone cultural estabelecido pelo Governo liberal-conservador para afirmar e dar a conhecer o património cultural nacional. Literatura, cinema, música, teatro, arquitectura, design, belas-artes e artes para as crianças: foram seleccionadas 108 obras, por várias comissões criadas pelo ministro da Cultura da época, Brian Mikkelsen. Entre elas estão A Pequena Sereia, romances de Karen Blixen, o filme Os Idiotas, de Lars von Trier, o Lego, os barcos vikings e, até, o Pato Donald, que foi imaginado por um dinamarquês. Depois de ter lançado o cânone sob a forma de um livro que descreve todas estas obras, Brian Mikkelsen afirmou que esta iniciativa fazia parte de uma luta contra as tendências antidemocráticas de certos meios da imigração muçulmana.
Pressão da indústria de entretenimento
Cinco anos depois, o grande debate que acompanhou esta operação caiu quase no esquecimento. “Se o lançamento do cânone cultural foi um dia importante”, sublinha o Berlingske, “não foi por causa do conteúdo do cânone, mas porque um Governo não socialista ousou fazer aquilo que, durante muitas décadas, não era de bom-tom: dizer alto e bom som que algumas coisas são melhores do que outras. Assinala que, apesar de sermos um país moderno num mundo globalizado, temos muitos méritos enquanto nação, e que temos o direito de nos orgulharmos deles. Sem nos arriscarmos a um rótulo de chauvinismo ou de romantismo nacional”. De facto, escreve o diário, “já não é tabu pensar em termos de cânone”. Hoje, no entanto, “é muito provável que o cânone cultural não seja nem muito lido nem muito usado. Contudo, é difícil medir os seus efeitos. Mas é uma oferta e não uma exigência. E, actualmente, simboliza a nova época em que voltámos a ousar não termos vergonha de nós próprios, e em que é novamente aceite fazer a distinção entre o bom e o menos bom”. “O facto de a população do país ter a possibilidade de estudar as obras nacionais mais importantes não é nem nacionalista nem uma obrigação estatal. É bom senso”, considera, por seu lado, o Kristeligt Dagblad. O diário protestante acrescenta que “nos cinco anos que passaram desde o lançamento do cânone, a pressão da indústria de entretenimento reforçou-se, e as tendências fator-X [programas em que pessoas comuns podem tornar-se estrelas] multiplicaram-se. Para lutar contra isto, o cânone não é a pior das armas de que nos podemos servir”.
Reforçada a noção de ameaça
Afirmar o “dinamarquês”, quando a imigração suscita tensões e o Governo só tem a maioria no Parlamento porque é apoiado pela extrema-direita, continua a ser um assunto polémico. No Politiken, a cronista Rushy Rashid dirige-se diretamente a Brian Mikkelsen, atualmente ministro da Economia e do Trabalho: “O combate cultural e de valores que tentou levar a cabo com o seu cânone cultural teve como efeito o agravamento da distância [entre dinamarqueses e não dinamarqueses] e o reforço das imagens de ameaça e de inimigos na nossa sociedade”. “Porque é que continuamos a discutir se somos ou não uma sociedade multicultural? Porque não o constatamos, simplesmente, nos nossos atos?”, interroga-se a jornalista. Para Rushy Rashid, a Dinamarca deveria seguir o exemplo da Grã-Bretanha, da Suécia ou da França, onde as pessoas se orgulham da romancista Zadie Smith, nascida de mãe jamaicana, do romancista Jonas Hassen Khemiri, cujo pai era tunisino, da ilustradora de origem iraniana Marjane Satrapi.
Sem comentários:
Enviar um comentário