De repente o Estado social tornou-se a grande bandeira pela qual alinha o PS e a esquerda. Mas deixemo-nos de demagogias: o que está em discussão é apenas espuma. A realidade é muito mais escura.
Com o projeto de revisão da Constituição do PSD abriu-se um enorme debate sobre... nada! Diz o PS que isto é a prova chapada de que o PSD quer o fim do Estado social. E di-lo através de todos os seus líderes, incluindo os mais serenos, como Francisco Assis, que deixou crescer uma barba condizente com o espírito revolucionário. Diz o PSD que é mentira! Que nunca quis atacar o Estado social, que o defende. E di-lo com o ar cândido e surpreso de quem não previu a resposta socialista. Na praça pública debate-se se o PSD teve, ou não, o timing certo; se o PS defende, ou não, o Estado social ou se também o ataca. Tudo se discute, salvo o essencial. Admitamos por um minuto que o mundo seria tão simples como isto: o PS defende o Estado social e o PSD quer acabar com ele. Se assim fosse, ao não permitir a mudança da Constituição, o PS estaria a obrigar o PSD, no futuro, a governar contra si próprio; Portugal seria, do ponto de vista constitucional, um país onde a direita só poderia governar se o fizesse com o programa da esquerda - ora isto seria ridículo e só aconselharia a maiores consensos em sede da lei constitucional, já que um consenso assim deixaria meio país de fora. Sem acordos, a única evolução possível seria através de uma rotura política inconstitucional (como aliás aconteceu a maioria das vezes na nossa História). Por outras palavras, os princípios do Estado social só devem estar (como estão, e bem), plasmados na Constituição na medida em que correspondem a um consenso social alargado de que fazem parte a esquerda, a direita e o centro. Esse consenso abarca sociais-democratas, liberais e democratas-cristãos europeus. Os socialistas defendem o Estado social, mas os personalistas cristãos não o defendem menos. O grande problema, que quase ninguém entre nós aborda, é este: o Estado social está ameaçado em toda a Europa e não só em Portugal, mas não por uma mirífica direita. Está ameaçado, porque concedendo direitos que hoje consideramos inalienáveis, tornou o fator trabalho caro, ao mesmo tempo que a globalização permitiu que países sem regras de humanidade social produzam bens muito baratos, beneficiando de deslocalizações e/ou através de mão de obra miseravelmente retribuída. O velho Ocidente endivida-se às mãos de chineses, indianos, brasileiros, angolanos ou russos. Os défices sucessivos vão obrigar-nos a refrear inúmeros direitos e subsídios que agora distribuímos. E este é um problema de hoje que é preciso resolver. Reduzi-lo à simples paróquia da política portuguesa, a uma divisão entre bons e maus, é uma demagogia pegada. Mas é o que o Governo e o PS têm feito. Henrique Monteiro - Expresso
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