terça-feira, 19 de novembro de 2013

Soares & Eanes

Francisco Seixas da Costa

 

O texto de Mário Soares hoje publicado no "Diário de Notícias", saudando a homenagem que vai ser prestada a Ramalho Eanes, acaba por ter um significado histórico, para quem assistiu às profundas divergências entre ambos. Soares e Eanes são as faces civil e militar da luta contra a deriva radical no pós 25 de abril. Ambos se aliaram "ao diabo" para evitar que o PCP e a chamada "esquerda militar" assumissem o controlo do processo político. O 25 de novembro é uma data que lhes é comum. Mas as similitudes ficam por aí.

 

São dois homens muito diferentes, para o bem e para o mal. Vistos da História, são dos principais fundadores do sistema em que vivemos. 

 

Soares é um velho "routier" da política. Coerente, procurou desenhar um sistema em favor da preeminência dos partidos, em que o seu PS se sente como peixe na água. Vingou geracionalmente uma geração que sofreu a ditadura e que havia visto a "sua" primeira República vilipendiada por esta. Com a ajuda da direita, conseguiu afastar os militares do centro do terreno político,"civilizando" o regime, com algumas injustiças feitas pelo meio a quem lutou pela liberdade no 25 de abril. O saldo é, porém, amplamente positivo.

 

Eanes é um homem que aprendeu a nadar na água. Sem a cultura política de Soares, cresceu na vida prática, assente numa ética muito própria. Escrupuloso à sua maneira, emergiu de uma rede de alianças militares que chegou a abeirar-se do inimigo. Vistas as coisas com serenidade, pode dizer-se que cumpriu aquilo a que se tinha comprometido, embora tendo deixado alguns amigos pelo caminho, no compromisso trágico em que por vezes se enredou. No débito histórico, fica-lhe a aventura patética do PRD, um "justicialismo" à moda da paróquia que, a ter vingado, poderia ter condenado a sobrevivência do regime. Contudo, a História acabará por julgá-lo positivamente.

 

Ver Soares e Eanes no mesmo e equívoco barco não me entusiasma por aí além, devo dizer. Tanto mais que é uma circunstância que só demonstra o estado de desespero a que o regime chegou.


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