Perguntou-me publicamente um defensor do direito a furar a greve, se eu, que defendo a greve, também defendo devolver o valor do bilhete dos «pobres trabalhadores suburbanos que compraram o passe social e no dia da greve não puderam usar o transporte públicos». A minha resposta, sintética pela limitação de espaço, é: se alguém tivesse que devolver alguma coisa era quem furou a greve e era todo o passe social e não o valor daquele dia porque o passe social foi conquistado com greves, feitas aliás contra muitos fura-greves, em 1974 e 1975.
Algumas delas, é preciso não omitir, foram feitas mesmo contra o PCP, com Álvaro Cunhal a fazer discursos públicos «contra as greves dos transportes»[1] em nome do governo de «unidade nacional», que então apoiava; estas greves tiveram sempre a oposição dos Governos (dos 6 governos provisório), e muitas vezes foram feitas contra o sindicato e impostas pela comissão de trabalhadores. Conheço-as bem e estão documentadas no meu livro sobre a História do PCP na Revolução dos Cravos que, perdoem-me os militantes que respeito, é um livro de História e não uma hagiografia do Partido – a área da mitologia não é a minha. A heróica resistência do PCP no Estado Novo não pode fazer omitir os erros de 1974-1975.
As primeiras greves dos transportes são no início de Maio de 1974: greve à cobrança de bilhetes em vários transportes públicos e na linha do Estoril. Logo a seguir na Carris, em final de Maio de 1974. As lutas sociais impuseram a nacionalização da CP em 1975. Logo depois eliminaram a divisão por classe nos transportes; e depois impuseram o passe social, isto é, a alocação de impostos para os transportes públicos.
Uma destas greves generaliza-se à população em Maio de 1975, um ano depois das primeiras. Foi feita em 1975 contra o IV Governo Provisório e envolveu passageiros, motoristas e fiscais («pica-bilhetes») que se recusaram a cobrar os bilhetes. Quem se opunha à greve era então o próprio Ministro dos Transportes, Veiga de Oliveira, afecto ao Partido Comunista, que em nome de uma estranha teoria de «sacrifícios para todos» defendia que o valor do bilhete não devia descer. Em ano de Hagiografia de Álvaro Cunhal, é bom lembrar os telhados de vidro.
Voltamos à pergunta. Excepção feita a quem não pode fazer greve porque arrisca de facto a perder o emprego, um fura-greves não é alguém que exerce o livre direito a não fazer greve, é um cobarde que se aproveita do resultado da greve dos outros. Cordiais saudações. RV
[1] CUNHAL, Álvaro. A Situação Política e as Tarefas do Partido no Momento Actual». In7.º Congresso Extraordinário do PCP…, pp. 39-40.
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