Por: Marinho e Pinto
Imagine o leitor que uma pessoa com ligações pessoais ou familiares à construção civil quer ser presidente de uma determinada câmara municipal com vista a favorecer os respetivos interesses empresariais ou apenas para urbanizar os terrenos agrícolas que a família possui nesse concelho. O que habitualmente, em Portugal, se faz nessas circunstâncias é contratar, com muita antecedência, uma empresa de comunicação à qual se passará a pagar uma avença mensal. E, de repente, o protocandidato começa a merecer o interesse de alguns órgãos de informação, os quais inventam todos os pretextos, mesmo os mais artificiais, para falarem bem dele. Discretamente, sem que se perceba bem porquê, começa uma campanha de promoção mediática da sua pessoa.
Acontece que ele tem um rival, ou seja, o presidente da Câmara que lhe recusou (a si ou à família) a urbanização dos terrenos agrícolas em causa. Então, simultaneamente, sobre este começam a aparecer notícias desfavoráveis, nomeadamente, o empolamento de certos aspetos negativos da sua vida pública ou particular. Nem ele nem ninguém o percebem, mas alguém começou a atuar negativamente no seu "território de imagem".
A situação descrita passa-se em vários outros domínios sociais, como clubes de futebol, lideranças partidárias (locais, distritais e, até, nacionais), formação de listas de candidatos a deputados e até em eleições para sindicatos, ordens profissionais, associações, etc.. Em todos os casos existem duas vertentes concomitantes: por um lado, a promoção da imagem de uma pessoa e, por outro lado, a destruição da imagem pública do seu adversário. Em outros tempos e locais contratavam-se pistoleiros para eliminar fisicamente certas pessoas, hoje, porém, certas pessoas contratam certos "comunicadores" para tratarem do assassínio de caráter dos seus adversários.
Há em Portugal dezenas de empresas de comunicação (e alguns freelancers) muitas das quais agem secretamente junto de certos jornalistas para conseguirem as "notícias" que os seus clientes pretendem, fazendo com que a informação no seu conjunto esteja cada vez mais descredibilizada.
Estas questões não podem ser encaradas apenas no plano da ética informativa ou da deontologia profissional do jornalismo, até porque, em Portugal, não há formas eficazes de escrutinar o cumprimento da deontologia jornalística. Salvo algumas honrosas exceções, o jornalismo tem vindo a tornar-se uma selva onde se encontram sempre "jornalistas" prontos para cometer as piores infâmias desde que recebam as devidas contrapartidas.
A informação tem vindo a desviar-se progressivamente dos seus fins ético-sociais e, consequentemente, a democracia degrada-se e descredibiliza-se cada vez mais. Por isso a Assembleia da República não pode continuar a fingir que não sabe o que se passa. Quando um jornalista recebe de alguém vantagens (dinheiro, viagens, férias pagas ou bens variados) para praticar atos contrários aos seus deveres deontológicos, estamos, claramente, perante um caso de corrupção num domínio onde imperam relevantes interesses de ordem pública. E, por isso, não se entende por que é que o Estado não cria uma lei para punir essas situações, ou seja, não as tipifica na lei penal como crimes. A AR deveria, também, criar legislação que obrigue as empresas de comunicação a atuar de forma mais transparente e, sobretudo, que puna como corrupção ativa ou como tráfico de influência os comportamentos de "comunicadores" que ofereçam vantagens a jornalistas em troca de atos contrários aos seus deveres deontológicos.
Há, em Portugal, um negócio de milhões cujo objeto é o tráfico de agressões e de obséquios jornalísticos e cujas consequências mais nefastas se traduzem no aviltamento da própria democracia. O debate público é, frequentemente, viciado e distorcido no seu mérito intrínseco pela atuação de certos "comunicadores" junto de jornalistas certos. Um jornalista poderá sempre cometer erros; o que não pode é receber contrapartidas por isso. Ou melhor, o que não pode é "errar" conscientemente para, em troca, receber vantagens de quem beneficia desses "erros". E os zelotas do jornalismo que não olhem para o dedo quando se aponta para um crime.
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