Francisco Seixas da Costa
Não deixa de ser preocupante para a Europa a situação que hoje se vive em França, muito em especial pelas implicações que esse estado de coisas pode ter no futuro do projeto europeu. A França é um país-chave da equação continental. Por muito que alguns não gostem de reconhecer isto, devem-se ao eixo franco-alemão os passos mais significativos do processo integrador. É mesmo muito curioso observar que, sendo a França um país que tem "uma certa ideia da Europa", que passa bastante pela sua muito específica ambição em termos de poder no projeto continental - e que está muito longe de ser aquilo que se chama "europeísta", no sentido bruxelense do termo -, ela soube sempre dar uma contribuição que se revelou imprescindível para os grandes avanços que foram conseguidos. Sem a França não há projeto europeu - as coisas são tão simples como isso! Ora a França atravessa um tempo difícil. É um país que, ao longo dos "trinta gloriosos" anos do pós-guerra, estabeleceu uma sociedade de bem-estar cujo património é hoje defendido em todos os setores do espetro político. Um modelo que obriga a que seja o país da União com a mais elevada percentagem de despesa pública face ao PIB. Esse modelo, com todas as virtualidades e vantagens que lhe estão associadas, torna-a fortemente resistente à mudança que os novos ventos financeiros europeus querem impor-lhe. A França tem um potencial económico e um tecido financeiro que parece colocá-la ao abrigo de colapsos como os que abalam hoje alguns dos seus parceiros mediterrânicos. Mas os números preocupantes do seu défice, a forte quebra da sua balança comercial, a perda de competitividade de muitas das suas indústrias e o agravamento de alguns outros indicadores (como o próprio desemprego) revelam que alguma coisa tem que mudar rapidamente no país. Acresce que, nos últimos anos, uma mutação significativa está a gerar na sociedade francesa clivagens e derivas preocupantes, nomeadamente pelo sucesso de algum populismo com laivos xenófobos e até racistas. O drama francês é também o nosso drama. O apagamento, embora talvez conjuntural, do papel que a França desempenhava no centro do projeto europeu parece estar a conduzir a Alemanha a uma inédita "solidão", que Berlim pode ser tentada a atenuar através de novas alianças, cuja resultante está longe de corresponder aos interesses de um país como Portugal. Além disso, a França é a segunda pátria de muitas centenas de milhares de portugueses, sendo hoje uma das importantes fontes de remessas financeiras que compensam a nossa debilidade interna. Os portugueses em França, ou os luso-descendentes, não incorrem no menor risco por essa sua condição específica. Mas uma crise na sociedade francesa atingi-los-ia em pleno. Por tudo isto, e também pelo que a França representa para a nossa maneira de estar no mundo, o seu futuro imediato não nos deve ser alheio. |
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