O dom da ubiquidade - conseguir estar em vários lugares, ao mesmo tempo - é algo que, apesar de denodados esforços que há muito venho a fazer, se tem tornado um tanto difícil de concretizar. Pode ser que com o tempo...
Há dias, a simpática obrigação de ir fazer uma palestra a Poitiers, a convite de Sciences Po, fez com que não pudesse estar, como desejaria, num colóquio que teve lugar, à mesma hora, na Fundação Gulbenkian, aqui em Paris, sobre a obra de Maria Judite de Carvalho. E que, por esse motivo, e ao que me dizem, tivesse faltado a uma visita ao salão internacional de construção - o Batimat - onde figuram muitas e importantes empresas portuguesas.
Uns dias antes, uma deslocação de trabalho à periferia de Paris, há muito fixada, impediu-me de estar presente num outro importante colóquio, desta vez sobre a figura de Joel Serrão, um evento a que muito gostaria de ter assistido. Nessa mesma data, o Champagne de Sousa, uma marca magnífica que ostenta as nossas origens, tinha um lançamento a que, do mesmo modo, me vi obrigado a faltar.
Esta conflitualidade de horários e locais, às vezes agravada pelo trânsito infernal das horas de ponta em Paris, passa-se quase todos os dias, para compreensível desespero dos simpáticos convidantes que tenho de "deixar cair" e que, imagino, algumas vezes devem julgar que o embaixador de Portugal se "está nas tintas" para as suas iniciativas. Não estou, embora pouco possa fazer para evitar tais embaraçantes situações, para as quais apenas posso contar com a compreensão de quem solicita a minha presença e acaba por não tê-la.
Dito isto, acreditem ou não, a diplomacia pode ser considerada uma das poucas profissões onde a ubiquidade ainda pode existir. Como na história que vou contar.
Foi no século passado (expressão magnífica, que agora nos permite qualificar tudo o que tenha mais de 10 anos...), ainda na década de 70. Numa tarde de sábado, passeava eu pelo Chiado, em Lisboa, numa segunda quinzena de Dezembro, dou de frente com um colega mais velho, colocado num posto distante, num outro continente, de cuja área geográfica eu me ocupava. Trocados cumprimentos e outras banalidades, explicou-me que tinha vindo para o Natal e que só regressaria ao posto lá para meados de Janeiro. Despedimo-nos, com as óbvias boas-festas à mistura.
Na segunda-feira seguinte, ao final da tarde, pousa sobre a minha secretária, no Ministério, um telegrama (nome que damos à forma de comunicação entre as missões diplomáticas e consulares e Lisboa) assinado pelo referido diplomata. O texto era datado desse mesmo dia. Estranhei, mas, sendo ao tempo mais ingénuo do que sou hoje, pensei tratar-se de um erro do serviço de expedição.
No dia seguinte, terça-feira, surge um novo telegrama, sobre outro assunto, igualmente assinado por aquele colega, oriundo da cidade onde estava colocado. A data era desse mesmo dia.
Na quarta-feira, o tráfico "telegráfico" parou. Pronto, pensei eu, o nosso homem decidiu suspender o envio a Lisboa de telegramas "fantasma".
Mas logo na quinta-feira, ei-lo que volta à carga, agora com um elucidativo texto: "Parto amanhã de férias para Lisboa, depois de encerrado o expediente, deixando F... como encarregado dos arquivos". Texto magnífico: "ganhava" esse dia como se estivesse em posto e, com o habilidoso "depois de encerrado o expediente", obtinha também a totalidade da sexta-feira. Na prática, ia iniciar férias no... sábado! O nosso homem, tinha assim conseguido "sobreviver" formalmente no posto durante uma semana mais, exactamente o mesmo tempo em que já se passeava, com toda a calma, por Lisboa.
As coisas hoje já não são assim, lá pelas Necessidades. A transparência da vida diplomática já não permite estes truques. Mas temos de ser justos: são eles que nos permitem afirmar que a ubiquidade pode ser considerada uma característica diplomática.
Há dias, a simpática obrigação de ir fazer uma palestra a Poitiers, a convite de Sciences Po, fez com que não pudesse estar, como desejaria, num colóquio que teve lugar, à mesma hora, na Fundação Gulbenkian, aqui em Paris, sobre a obra de Maria Judite de Carvalho. E que, por esse motivo, e ao que me dizem, tivesse faltado a uma visita ao salão internacional de construção - o Batimat - onde figuram muitas e importantes empresas portuguesas.
Uns dias antes, uma deslocação de trabalho à periferia de Paris, há muito fixada, impediu-me de estar presente num outro importante colóquio, desta vez sobre a figura de Joel Serrão, um evento a que muito gostaria de ter assistido. Nessa mesma data, o Champagne de Sousa, uma marca magnífica que ostenta as nossas origens, tinha um lançamento a que, do mesmo modo, me vi obrigado a faltar.
Esta conflitualidade de horários e locais, às vezes agravada pelo trânsito infernal das horas de ponta em Paris, passa-se quase todos os dias, para compreensível desespero dos simpáticos convidantes que tenho de "deixar cair" e que, imagino, algumas vezes devem julgar que o embaixador de Portugal se "está nas tintas" para as suas iniciativas. Não estou, embora pouco possa fazer para evitar tais embaraçantes situações, para as quais apenas posso contar com a compreensão de quem solicita a minha presença e acaba por não tê-la.
Dito isto, acreditem ou não, a diplomacia pode ser considerada uma das poucas profissões onde a ubiquidade ainda pode existir. Como na história que vou contar.
Foi no século passado (expressão magnífica, que agora nos permite qualificar tudo o que tenha mais de 10 anos...), ainda na década de 70. Numa tarde de sábado, passeava eu pelo Chiado, em Lisboa, numa segunda quinzena de Dezembro, dou de frente com um colega mais velho, colocado num posto distante, num outro continente, de cuja área geográfica eu me ocupava. Trocados cumprimentos e outras banalidades, explicou-me que tinha vindo para o Natal e que só regressaria ao posto lá para meados de Janeiro. Despedimo-nos, com as óbvias boas-festas à mistura.
Na segunda-feira seguinte, ao final da tarde, pousa sobre a minha secretária, no Ministério, um telegrama (nome que damos à forma de comunicação entre as missões diplomáticas e consulares e Lisboa) assinado pelo referido diplomata. O texto era datado desse mesmo dia. Estranhei, mas, sendo ao tempo mais ingénuo do que sou hoje, pensei tratar-se de um erro do serviço de expedição.
No dia seguinte, terça-feira, surge um novo telegrama, sobre outro assunto, igualmente assinado por aquele colega, oriundo da cidade onde estava colocado. A data era desse mesmo dia.
Na quarta-feira, o tráfico "telegráfico" parou. Pronto, pensei eu, o nosso homem decidiu suspender o envio a Lisboa de telegramas "fantasma".
Mas logo na quinta-feira, ei-lo que volta à carga, agora com um elucidativo texto: "Parto amanhã de férias para Lisboa, depois de encerrado o expediente, deixando F... como encarregado dos arquivos". Texto magnífico: "ganhava" esse dia como se estivesse em posto e, com o habilidoso "depois de encerrado o expediente", obtinha também a totalidade da sexta-feira. Na prática, ia iniciar férias no... sábado! O nosso homem, tinha assim conseguido "sobreviver" formalmente no posto durante uma semana mais, exactamente o mesmo tempo em que já se passeava, com toda a calma, por Lisboa.
As coisas hoje já não são assim, lá pelas Necessidades. A transparência da vida diplomática já não permite estes truques. Mas temos de ser justos: são eles que nos permitem afirmar que a ubiquidade pode ser considerada uma característica diplomática.
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