quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Diplomacia e filatelia


 

Talvez poucos (se alguns) dos leitores deste blogue conheçam a cidade de Soukhoumi, capital da auto-proclamada República da Abcásia, território que a Geórgia considera pertencer-lhe e que é objecto de uma já antiga disputa internacional. Trata-se de ums estância no Mar Negro, que foi uma reputada colónia balnear ao tempo da antiga União Soviética. As batalhas entre as forças abcases e georgianas deixaram a cidade com profundas marcas de guerra, as quais, no entanto, não foram suficientes para fazer desaparecer algum do seu antigo "charme".

Fui a Soukhoumi em 2004, integrado numa missão da OSCE, composta por vários observadores internacionais. Recordo, ainda com algum frio na espinha, uma viagem num bem usado helicóptero ucraniano, ao serviço da ONU, ao longo da respectiva costa. Ao perguntar porque razão voávamos tão distantes de terra, um dos pilotos, com toda a naturalidade, disse-me que era para tentar evitar os mísseis. É que tinha havido, tempos antes, uns problemas... Fiquei imensamente sossegado!

As nossas conversas na capital da Abcásia, com as autoridades separatistas locais, não conduziram a muita coisa, salvo, talvez, a precisar melhor o campo das divergências e o rigor dos argumentos independentistas. Saídos das sessões de trabalho, tornadas pesadas pela obrigatoriedade de interpretação, fizémos uma caminhada ao longo de um passeio que me recordou a Foz, no Porto, sempre acompanhados por segurança. No final desse percurso, chegámos a um restaurante, onde nos ia ser oferecido um almoço.

Foi então que alguém constatou que dois diplomatas, um belga e um outro cuja nacionalidade não retive, haviam saído do grupo e tinham desaparecido, sem rasto nem aviso. A preocupação espalhou-se pela delegação, em especial a partir do momento em que a vimos transposta para a cara dos responsáveis abcases, que entre si trocavam conversas tensas, enviando já polícias pela cidade.

Passaram longos minutos e, por esse imprevisto, a refeição formal acabou por não decorrer com a serenidade desejada. Até que, cerca de meia-hora mais tarde, lá vemos entrar na sala, para grande alívio, os nossos dois desaparecidos colegas. Pela mesa passou a palavra de que , por qualquerrazão, haviam decidido fazer um outro passeio. Sentaram-se discretos, sob o olhar reprovador da generalidade dos convivas.

Só no final do repasto nos elucidaram da razão do atraso: tinham feito uma "escapada" aos correios locais, para adquirir colecções de selos da Abcásia, aparentemente muito difíceis de obter à distância. Vinham impantes, com a antecipada certeza de terem conseguido raridades que iriam abrilhantar as respectivas colecções.

A diplomacia também ajuda a filatelia. Será que os nossos colegas se haviam incorporado na missão, fisicamente algo arriscada, apenas para comprar selos abcases? Nunca saberemos.

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