quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O aumento das desigualdades e da exploração em Portugal

por Eugénio Rosa
As desigualdades e a exploração aumentaram muito em Portugal nos últimos anos. Mostrar isso, utilizando apenas dados oficiais, é o objectivo deste estudo. Desta forma procura-se contribuir para chamar a atenção para uma realidade preocupante que não poderá ser nem ignorada nem esquecida pelo governo "Sócrates 2".
De acordo com dados do Banco de Portugal, do INE e do Eurostat a percentagem que as remunerações, quer incluindo as contribuições sociais quer sem contribuições sociais, representam da riqueza criada, ou seja, do PIB diminuiu muito após o 25 de Abril. Assim, em 1975, ano em que a situação foi mais favorável para os trabalhadores, as remunerações "liquidas", ou seja, sem contribuições sociais mas antes do pagamento do IRS, representaram 59% do PIB, enquanto este ano (2009) prevê-se que representem apenas 34,1% do PIB, ou seja, menos 42,2% do que a percentagem de 1975 (em pontos percentuais, menos 24,9 pontos). Se os trabalhadores recebessem em 2009 um valor correspondente à mesma percentagem do PIB que receberam em 1975, receberiam em 2009 mais 40.860 milhões de euros de salários (Quadro I). Este valor dá uma ideia clara das consequências para os trabalhadores do agravamento da desigualdade na repartição da riqueza criada anualmente que se verificou depois de 1975.
Numa sociedade capitalista como é a nossa, o grau de exploração dos trabalhadores é medido pela taxa de mais valia ou taxa de exploração. As estatísticas em Portugal assim como as União Europeia não são elaboradas de molde a se poder calcular com precisão a taxa de mais valia, pois isso poria em causa o próprio sistema capitalista. No entanto mesmo com as limitações existentes pode-se utilizar os dados oficiais para calcular uma taxa que dá uma ideia clara do aumento da exploração em Portugal nos últimos anos. E o valor que se obtém para essa taxa é de 46,3% em 1975 e de 100,6% em 2009. Portanto, a dimensão da exploração dos trabalhadores em Portugal mais que duplicou entre 1975 e 2009.
De acordo com um estudo recente divulgado pela OCDE, Portugal é um dos países onde é maior a desigualdade na distribuição do rendimento. É precisamente no nosso País onde o coeficiente de Gini, que mede a desigualdade, é mais elevado (0,385). A média nos países da OCDE é de 0,311 (Gráfico I). Depois de Portugal, na OCDE apenas existem dois países: Turquia e México.
A pobreza está também a atingir milhares de trabalhadores com emprego devido aos baixos salários que auferem. No fim de 2008, 139,5 mil trabalhadores por conta de outrem recebiam um salário liquido médio mensal inferior a 310 euros por mês, e os que recebiam salários até 600 euros correspondiam a 40,9% do total de trabalhadores por conta de outrem (Quadro II).
Uma camada numerosa da população muito afectada pela desigualdade na repartição do rendimento são os reformados. Em Julho de 2009, a pensão média de velhice de 1.843.375 reformados era apenas de 384,72 euros por mês, e 981.181 mulheres recebiam da Segurança Social uma pensão média de velhice ainda mais baixa (292,10 euros), portanto um valor muito inferior ao limiar pobreza (354,28€/mês-14 meses). Em relação aos reformados por invalidez a situação é ainda mais grave. A pensão media dos 300.173 pensionistas por invalidez paga pela Segurança Social era, em Julho de 2009, de apenas 321,25 euros. E o valor das pensões auferidas pelas mulheres (em média 281,10€ por mês) correspondia apenas a 77,8% das do homem. Mas existem distritos em que as percentagens são ainda inferiores, como sucede com Lisboa (69,4%) e Setúbal (64,4%) – (Quadros III e IV). Se a análise for feita por escalões de pensões conclui-se que 79% dos pensionistas de velhice e de invalidez recebem uma pensão inferior a 407 euros (Quadro V)
Alterar a profunda desigualdade que existe na distribuição do rendimento e da riqueza em Portugal é uma obrigação do próximo governo. E isto até porque a desigualdade existente é uma das causas da fragilidade actual do tecido social e económico do país, e do atraso de Portugal. E como refere a própria OCDE, "a única forma sustentável de reduzir a desigualdade é travar o desfasamento de salários e rendimentos de capital que lhe está subjacente" (Crescimento Desigual? Distribuição do Rendimento e Pobreza nos Países da OCDE, pág.3, 2009). Para além de uma politica salarial justa que o governo de "Sócrates I" sempre recusou é necessário também alterar um conjunto de leis que estão também a contribuir para agravar as desigualdades: leis fiscais que protegem os rendimentos do capital mas penalizam os rendimentos do trabalho; lei do subsidio de desemprego que exclui centenas de milhares de desempregados do acesso ao subsidio de desemprego; leis da segurança social que reduzem o valor das pensões dos trabalhadores que se reformam e que também impedem a melhoria mesmo das pensões mais baixas dos que já estão reformados; Código do Trabalho, Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, Lei 12-A/2008, que estão a determinar a desregulamentação das relações de trabalho, dando todo o poder às entidades empregadoras e reduzindo drasticamente os direitos de quem trabalha; etc.
As desigualdades e a exploração têm aumentado em Portugal nos últimos anos. Os próprios dados oficiais sobre a repartição da riqueza criada no País e sobre a situação dos reformados confirmam esse facto. Mostrar isso é o objectivo deste estudo, procurando desta forma contribuir para chamar a atenção do "novo" governo para uma realidade preocupante que não poderá ser nem ignorada nem esquecida como aconteceu no passado recente.
O AGRAVAMENTO DA REPARTIÇÃO DA RIQUEZA CRIADA EM PORTUGAL
Portugal é um dos países da União Europeia onde o nível de desenvolvimento económico é dos mais baixos mas onde a desigualdade na repartição da riqueza criada e do rendimento é mais elevada, situação que se agravou nos últimos anos, o que constitui um dos factores mais importantes para as dificuldades que os portugueses estão a enfrentar e para o atraso do País.
O quadro seguinte, construído com dados oficiais do Banco de Portugal, do INE e do Eurostat, dá uma ideia clara como a repartição da riqueza criada anualmente em Portugal, medida pelo PIB, se agravou muito depois do 25 de Abril.
Os dados do Banco de Portugal, do INE e do Eurostat revelam uma redução muito significativa do peso das remunerações quer com contribuições sociais quer sem contribuições sociais em percentagem da riqueza criada, ou seja, do PIB. E se a comparação for feita tomando como base os anos de 1974, 1975 e 1976, anos em que a repartição da riqueza criada foi mais favorável para os trabalhadores, os valores actuais revelam um agravamento muito grande na forma como a riqueza criada é distribuída em Portugal.
Assim, em 1975, as remunerações "liquidas", ou seja, sem contribuições sociais mas antes do pagamento do IRS, representaram 59% do PIB desse ano, enquanto este ano (2009), de acordo com os dados do Eurostat, prevê-se que representem apenas 34,1% do PIB, ou seja, menos 42,2% do que a percentagem de 1975 (menos 24,9 pontos percentuais). Se os trabalhadores recebessem em 2009 a mesma percentagem do PIB que receberam em 1975, receberiam mais 40.860 milhões de euros salários. Este valor é suficiente para dar uma ideia clara das consequências para os trabalhadores do agravamento da desigualdade na repartição da riqueza criada em Portugal que se verificou nos últimos anos. Interessa ainda referir que, de acordo com os dados oficiais constantes do quadro I, prevê-se que o valor das remunerações em 2009 seja inferior ao valor de 2008 em 1.251 milhões de euros.
ENTRE 1975 E 2009 A TAXA DE EXPLORAÇÃO MAIS QUE DUPLICA EM PORTUGAL
Numa sociedade capitalista como é a nossa, o grau de exploração dos trabalhadores é medido pela taxa de mais valia ou taxa de exploração. E a taxa de mais-valia ( m´ ) é dada pela relação mais-valia ( m ) e capital variável ( v), ou seja ( m´= m/v ).
As estatísticas em Portugal assim como as da União Europeia, que são estatísticas burguesas, não são elaboradas de molde a se poder calcular com precisão a taxa de exploração, pois isso poria em causa o próprio sistema capitalista.
No entanto, vamos procurar, a partir das estatísticas oficiais, calcular uma taxa que permita avaliar a evolução da dimensão da exploração em Portugal entre 1975 e 2009. Para isso calculamos a taxa que se obtém dividindo o "PIB menos as remunerações com contribuições sociais", ou seja, aquilo que teoricamente fica nas empresas, pelo valor de "Remunerações com contribuições sociais", ou seja, tudo aquilo que teoricamente reverte para os trabalhadores de uma forma directa e indirecta, e de uma forma imediata ou diferida. Utilizando os dados do quadro I, o valor que se obtém é de 46,3% para 1975 e de 100,6% para 2009. Portanto, esta taxa mais que duplica entre 1975 e 2009. Este crescimento tão significativo revela, sem qualquer dúvida, o aumento da exploração dos trabalhadores em Portugal. Interessa referir que uma parcela importante da mais valia assim apropriada é feita pelos grupos financeiros, não só através das taxas de juros e de elevadas comissões que cobra, mas também através dos mercados financeiros, em que impera a especulação, o que tem permitido transferir riqueza dos pequenos accionistas para os grandes accionistas.
OCDE REVELA QUE PORTUGAL É UM DOS PAÍSES ONDE É MAIOR A DESIGUALDADE NA DISTRIBUIÇÃO DOS RENDIMENTOS
Uma medida muito utilizada para medir a desigualdade na distribuição do rendimento num país é o Coeficiente de Gini. Este coeficiente varia entre 0 (zero) e 1 (um). Quanto maior for o seu valor maior é a desigualdade na distribuição do rendimento. A OCDE calculou recentemente os valores deste coeficiente para um conjunto de países que se encontram disponíveis no seu "site". São precisamente os valores obtidos pela OCDE que se apresentam seguidamente sob a forma de gráfico.
Como mostra o gráfico I, Portugal é um dos países que apresenta maior desigualdade (Coeficiente de Gini igual a 0,385) quando a média dos países da OCDE é mais baixa (0,311). Depois de Portugal, na OCDE apenas existem dois países onde a desigualdade na distribuição do rendimento é maior: Turquia (0,430) e México (0,474). O mesmo estudo da OCDE revela o agravamento da desigualdade na distribuição do rendimento em Portugal. De acordo com dados divulgados também nesse estudo da OCDE, o valor do Coeficiente de Gini para Portugal teve a seguinte variação por décadas: Média da década de 80: 0,329; Media de 90: 0,359; Media de 2000: 0,385.
TRABALHADORES COM EMPREGO A RECEBEREM SALÁRIOS ABAIXO DO LIMIAR DA POBREZA
A pobreza está a atingir mesmos os trabalhadores com emprego devido aos baixíssimos salários que auferem, como mostra o quadro seguinte construído com dados do INE relativos a 2008.
Em 2008, 139,5 mil trabalhadores por conta de outrem recebiam um salário liquido médio mensal inferior a 310 euros por mês, e os que recebiam salários até 600 euros correspondiam a 40,9% do total de trabalhadores por conta de outrem. É evidente que com salários desta natureza centenas de milhares de trabalhadores com emprego vivem na pobreza ou muito próxima dela.
A PENSÃO MEDIA DOS REFORMADOS POR VELHICE É APENAS DE 384,72 EUROS EM 2009
Um dos grupos mais numerosos da população portuguesa atingidos por baixíssimos rendimentos e pela profunda desigualdade que se verifica a nível da repartição da riqueza criada anualmente são os reformados
A situação dos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral quando se reformam agravou-se significativamente com a alteração das leis da Segurança Social pelo governo "Sócrates I", nomeadamente através da alteração da formula de cálculo da pensão (três formulas, depois passou a uma, e face ao protesto dos reformados passou a duas) e com a introdução do chamado factor de sustentabilidade, que é um factor de redução da pensão.
Uma análise por género, feita com base em dados recentes (Julho de 2009) divulgados pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, revela valores médios de pensões muitos baixos, inaceitáveis sob o ponto de vista social, e profundas desigualdades entre homem e mulher. O quadro, construído com dados oficiais, mostra com clareza a situação actual.
De acordo com dados do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, em Julho de 2009, a pensão media de velhice era apenas de 384, 72 euros, e a pensão média de velhice das 981.181 mulheres abrangidas pela Segurança Social atingia somente 292,10 euros por mês, portanto um valor inferior ao limiar pobreza (354,28€/mês) o que mostra bem a situação de miséria em que vivem actualmente a esmagadora maioria dos reformados em Portugal, e nomeadamente as mulheres que auferem pensões ainda mais baixas do que as dos homens, embora as destes já sejam muito baixas. Se a análise for feita por distrito, a gravidade da situação ainda se torna mais clara pois em 18 das 21 regiões consideradas no quadro anterior a pensão media da mulher é ainda inferior ao valor da pensão média no País referido anteriormente (292,10€/mês).
A pensão media de velhice da mulher corresponde em média a nível do país apenas a 59,6% da pensão média do homem . E existem distritos (ex. Porto, Lisboa e Setúbal) onde essa percentagem é ainda mais baixa. E tudo isto em Julho de 2009.
A PENSÃO MEDIA POR INVALIDEZ É APENAS 321,21 EUROS POR MÊS EM 2009
Outro grupo populacional também numeroso e muito mal tratado pelos sucessivos governos, também a receber actualmente pensões muito baixas (inaceitáveis sob o ponto de vista social) são os reformados por invalidez da Segurança Social como mostra o quadro seguinte, construído com dados recentes (já de 2009) divulgados pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.
A pensão media dos 300.173 pensionistas de invalidez paga pela Segurança Social era, em Julho de 2009, de apenas 321,25 euros, portanto um valor abaixo do limiar da pobreza que é 354,21€/mês. E se análise for feita por distritos conclui-se que em 14 das 21 regiões consideradas no quadro a pensão média total por distrito era ainda inferior à pensão média nacional. Igualmente verifica-se que as mulheres auferem pensões de invalidez ainda inferiores às dos homens já que a sua pensão media corresponde apenas a 77,8% da do homem. Mas existem distritos em que as percentagens são ainda inferiores, como sucede com Lisboa (69,4%) e Setúbal (64,4%). Portanto, a desigualdade atinge de uma forma extrema estes sectores da população que vivem em condições mais difíceis.
79% DOS PENSIONISTAS DE VELHICE E INVALIDEZ RECEBEM UMA PENSÃO INFERIOR A 407€
Se a análise for feita não com base em pensões médias, mas sim com base no agrupamento dos pensionistas por escalões de pensões, a gravidade e a injustiça da situação ainda se torna mais clara como mostra o quadro seguinte construído com dados da Conta da Segurança Social de 2008 que acabou de ser divulgada
Portanto, 79% dos pensionistas recebiam uma pensões inferior a 407,40 euros, e 88,1% a 611,11 euros. Apenas 0,5% dos pensionistas recebiam uma pensão superior a 2.444,45 euros.
É URGENTE ALTERAR A REPARTIÇÃO DA RIQUEZA E DO RENDIMENTO EM PORTUGAL PARA REDUZIR AS DESIGUALDADES E IMPEDIR O AUMENTO DA POBREZA
Os dados oficiais mostram de uma forma clara, por um lado, que se verifica em Portugal uma forte desigualdade na distribuição da riqueza e do rendimento em prejuízo grave dos sectores mais desprotegidos da população e, por outro lado, como consequência disso a pobreza e mesmo a miséria estão a aumentar em Portugal. É uma realidade que é cada vez mais visível apesar da propaganda governamental procurar esconder. É ridículo o esforço feito pelos propagandistas oficiais para convencer a opinião pública que uma pessoa deixa de ser pobre pelo simples facto de receber mais um euro que o limiar da pobreza, que é apenas de 384,72 euros/mês, e que o chamado complemento solidário para idosos, cujo valor médio é apenas de 80 euros, tirou 200.000 reformados da situação de pobreza em que se encontravam.
Como consequência da grave desigualdade na repartição do rendimento, em Portugal, a pobreza atinge não só os reformados e desempregados mas também e cada vez mais os trabalhadores por conta de outrem com emprego devido aos baixos salários que uma percentagem elevada recebe, constituindo esse facto uma das causas importantes da fragilidade do tecido sócio -económico português, e do grande atraso do País.
Não é possível alcançar elevadas taxas de educação e de qualificação, construir um país moderno, desenvolvido e com elevadas taxas de crescimento económico sustentado com os níveis de desigualdades e pobreza existentes. Para concluir isso, basta ter presente que países altamente desenvolvidos, como são a Suécia e a Dinamarca, apresentam repartições da riqueza e do rendimento muito mais equilibradas do que Portugal. Portanto, a resolução do grave atraso do País também passa por uma melhor distribuição dos rendimentos. É essa a obrigação e uma tarefa urgente para o governo "Sócrates 2", que será necessariamente avaliado pelas medidas que tomar para corrigir rapidamente as graves injustiças existentes, que foram agravadas pelo governo anterior.

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