Henrique Monteiro (www.expresso.pt)
A um primeiro-ministro não se reconhece só direitos; exige-se-lhe também os correspondentes deveres. Se tem prorrogativas próprias, tem deveres próprios. Um deles é o do cabal esclarecimento. Em Portugal há coisas que se sabem. Sabem-se, ponto final. E entre as coisas que se sabem, uma delas é que uma conversa telefônica entre Sócrates e o seu amigo Armando Vara poderá conter indícios de eventuais ilegalidades. Ora isto não cabe à opinião pública avaliar. Toda a gente - incluindo os arguidos Godinho e Vara - é inocente até prova em contrário e é à Justiça que cabe essa avaliação. Porém, o que foi dito e escrito passou para a polis. E o que a líder do PSD disse no Parlamento também agora está no domínio público. Há, pois, uma parte em toda esta conversa que é do domínio da política e deve ser esclarecida, independentemente de a investigação determinar se há, ou não, algo mais a inquirir. Não sendo jurista, compreendo que as escutas que envolvem o primeiro-ministro devam ser anuladas. O país não pode viver sob escuta permanente e o que o cidadão Sócrates partilha com amigos, o modo mais ou menos elegante como se refere a outras personalidades e as formas vernaculares que usa (ou não) são indiferentes para o nosso julgamento político. O primeiro-ministro não deve, porém, esquecer quem é: o número três do Estado, o chefe do poder Executivo. Por isso mesmo não pode deixar que sobre ele recaia qualquer dúvida. Como já o afirmei a propósito do 'caso Freeport' (em que cada vez mais estou convencido que é inocente), Sócrates devia tomar a iniciativa do esclarecimento. Não se trata de divulgar as suas conversas privadas com amigos (argumento utilizado por Jorge Lacão para rebater esta necessidade de transparência). Nada disso! Basta uma declaração simples, que aliás o Expresso lhe pediu, como era nosso dever. Uma declaração em que o primeiro-ministro tranquilize os portugueses, assegurando-lhes que nenhuma conversa sua versou ou induziu a prática de qualquer acto menos próprio. Eis uma pequena frase que qualquer cidadão pode dizer sem violar qualquer segredo de Justiça, sem se antecipar a qualquer julgamento, sem estar a prejudicar qualquer investigação. E que nos é devida - a nós cidadãos, aos que o elegeram e aos que contra ele votaram -, porque todos temos de ter toda a confiança em quem toma decisões que nos afectam, em quem nos representa em que fala por nós.
Não se trata, sequer, de lhe pedir algo que não se pedisse (nos devidos fóruns - emprego, família, círculo de amigos) a outro cidadão qualquer sobre o qual recaíssem suspeitas, ainda que remotas e não fundamentadas. O círculo de Sócrates é todo o país, e para uma declaração tão simples como esta basta, afinal, ter a consciência tranquila.
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