Fernando Madrinha (www.expresso.pt)
Afinal, o programa do PSD não é minimalista: é apenas menos palavroso e gongórico do que o habitual em programas eleitorais. A essa vantagem soma esta outra: tanto se esperou por ele que a demora se traduziu na sua melhor promoção. Quanto à substância, o "Compromisso de Verdade" é coerente com o essencial daquilo que a líder do PSD tem dito até agora - outra vantagem. E, como esse discurso tem sido de oposição a todas as políticas do Governo, o programa eleitoral não precisa de fazer ginástica política para ser francamente... 'eleitoralista' - a sua vantagem maior.
Manuela Ferreira Leite não promete tudo a todos, mas quase. Pelo menos a todos os que estão zangados com Sócrates. Assim, o alargamento do prazo de atribuição do subsídio de desemprego só pode agradar aos desempregados e a redução da taxa social única aos empresários; a suspensão das avaliações, do estatuto da carreira docente e do estatuto do aluno (aqui o PSD faz o pleno) é uma caixinha de presentes para os professores que foram às manifestações dos cem mil; a perspectiva de uma remuneração especial em função do trabalho desenvolvido certamente interessa a magistrados e juízes, a primeira classe visada por Sócrates logo no discurso de posse; a promessa de nova revisão das carreiras nas Forças Armadas tenta seduzir os militares, com os quais o Governo manteve um conflito permanente nesta legislatura; o fim das taxas moderadoras para internamentos é simpático para os doentes potenciais que são todos os eleitores, ainda que nem todos recorram ao Serviço Nacional de Saúde; e por aí adiante. Para todas as classes descontentes, o PSD tem uma palavra amiga, sem que se vislumbre o mais leve intuito reformador. E o drama de Sócrates é que, aparentemente, os descontentes são muitos, por boas e por más razões.
Mas se em relação às classes socioprofissionais mais castigadas pelo Governo, o PSD promete o contrário das políticas do PS, já em relação às obras públicas "megalómanas" não "rasga" tanto como ameaçava. Vai suspender o TVG, sim, mas apenas para "reanálise", "redimensionamento", "recalendarização"... Não diz que não o lançará durante o seu mandato em caso de vitória. O aeroporto, afinal, também será construído, se bem que "por módulos", algo que o Governo já admitiu igualmente. E até as auto-estradas, incluindo a tão contestada "auto-estrada rosa", serão apenas objecto de análise e ponderação. Nada de drástico, portanto. Nada que provoque desde já um levantamento do lóbi da construção civil, ou que impossibilite o entendimento com o PS em caso de bloco central.
Por definição e natureza, os programas eleitorais só dão as boas notícias: enunciam propostas, mas não tratam da sua concretização, que pode revelar-se muito diferente do enunciado. Por exemplo, muitos professores ficarão satisfeitos com a suspensão do modelo de avaliação que o PS quis impor; mas não se sabe se continuarão satisfeitos quando o PSD definir e aplicar o seu modelo, caso ganhe as eleições. O 'como', em todas as suas vertentes, pode fazer toda a diferença, mas, em geral, não consta nem pode constar dos programas eleitorais. A menos que estes se transformassem numa lista de propostas de leis já elaboradas.
Como se escreveu aqui a propósito do programa do PS, o problema não está nos programas: está nas surpresas com que os partidos nos brindam depois de chegarem ao poder. Por mais que Manuela Ferreira Leite repita que, ela sim, apenas promete o que está certa de poder cumprir, fica sujeita, como todos os outros, a fazer a prova. E essa só a teremos depois do voto.
País pobre, partidos ricos
Vivemos a pior crise dos últimos cem anos, segundo os responsáveis políticos. Mas quando olhamos para as previsões de gastos nas duas campanhas eleitorais que aí estão, percebemos que a crise não chega aos partidos.
Até 11 de Outubro, quase 80 milhões de euros vão ser gastos em cartazes com rostos tratados a photoshop, o botox da fotografia digital, ou em mensagens de propaganda a que ninguém liga, em folhetos que, mal são entregues, mergulham no caixote do lixo, em brindes que não mobilizam um único voto. O PS, que já é o que mais gasta nas legislativas, continua a fazer figura de novo rico nas autárquicas aumentando o orçamento em relação a 2005, quando devia ser o primeiro a reduzi-lo para ser coerente com o discurso que faz sobre a crise. O PSD baixa para menos de metade as suas previsões, mas, juntando as candidaturas próprias com as coligações em que participa, gasta os mesmos 30 milhões que o PS. O PCP também aumenta o seu orçamento, ainda que marginalmente. Só o CDS e o Bloco de Esquerda reduzem os gastos e apresentam orçamentos razoáveis (1,9 milhões de euros), tendo em conta o país que somos e a situação em que ele se encontra.
A democracia tem custos, com certeza. Mas oitenta milhões de euros em propaganda é muito dinheiro. Nas circunstâncias especiais que vivemos, os partidos podiam e deviam ter-se posto de acordo para limitar muito mais os gastos, poluir muito menos as vilas e as cidades, dar exemplo de contenção e de combate ao desperdício. Perderam, ou melhor, desprezaram mais uma oportunidade soberana para reconquistar um pouco da consideração dos eleitores. Se é que têm algum interesse nisso, o que está, de facto, por demonstrar. Fernando Madrinha-Expresso
Sem comentários:
Enviar um comentário