Está dito e redito: Belmiro de Azevedo é o melhor empresário não-financeiro que surgiu em Portugal depois de 1974. A obra que construiu é notável e o Grupo Sonae é hoje o maior empregador privado do país. Os seus interesses vão da indústria às telecomunicações, passando pelo sector da distribuição, que renovou profundamente. Nesta caminhada, nem tudo lhe correu bem. As suas tentativas de controlar um grande banco nacional falharam sempre, embora se tenha retirado destes negócios com significativas mais-valias. No sector do papel, foi impedido pelo Governo de António Guterres de controlar a Portucel. E falhou aquela que seria a sua maior operação, a compra da Portugal Telecom, através de uma Oferta Pública de Aquisição, já durante o mandato do actual Executivo.
A derrota ficou-lhe sempre atravessada e Belmiro continua a afirmar publicamente que a aquisição da PT pela Sonaecom só não se concretizou porque o Governo não quis, exemplificando com o facto de a CGD ter votado contra a desblindagem dos estatutos da operadora telefónica na decisiva assembleia geral que derrotou a operação. É uma tentativa de reescrever a história, mas não é verdadeira. Na assembleia de 2 de Março de 2007, estiveram representados 67,5% do capital da PT. A abstenção foi de 9,52% do capital presente e 51,5% manifestaram-se contra o decisivo ponto 3 da ordem de trabalhos. Ora, Paulo Azevedo, à altura presidente do ofertante, precisava de mais 15% dos votos que teve para fazer vencer a sua posição - e a Caixa votou contra com pouco mais de 5% do capital. O Estado, que tinha 1,88% do capital, absteve-se. Por outras palavras, mesmo que a totalidade da participação pública votasse a favor da proposta, ainda faltariam à Sonaecom quase 7% do capital para que a proposta fosse validada.
Esta é a realidade e não aquela que o líder da Sonae quer fazer passar. A Sonaecom perdeu a OPA por vários factores. 1) Inabilidade total de Belmiro de Azevedo na conferência do anúncio da OPA, em que disse que venderia a participação da PT na Vivo, no Brasil; 2) a fortíssima resposta da administração da PT, liderada por Henrique Granadeiro, apresentando aos accionistas uma proposta de remuneração mais favorável que o preço por acção que a Sonaecom oferecia; 3) o longuíssimo tempo que a Autoridade da Concorrência levou a decidir sobre o processo, que permitiu uma inflexão da opinião dos analistas e dos accionistas face à proposta da Sonaecom.
Perdida a PT, Belmiro passou agora para outro patamar da sua estratégia, sintetizada em dois pontos: a) criticar o actual Governo, retirando-lhe a sua confiança; b) dar a entender quais são as suas condições para apoiar um eventual futuro executivo do PSD. E essas condições, como já se percebeu, é que o futuro Governo apadrinhe a fusão da Sonaecom com a Zon. O mercado, aliás, já há muito se deu conta do namoro entre as duas organizações e que essa seria uma via para a Sonae resolver um problema que tem em casa - a Optimus, que estacionou como terceiro operador de telemóveis e não parece capaz de sair dessa posição.
O problema é que a Sonae ficou escaldada com o falhanço da OPA sobre a PT e com os muitos milhões de euros que gastou na operação. Por isso, não avançará com nova OPA hostil - até porque, aqui sim, a posição da Caixa, já que os estatutos estão blindados a 10% do capital, é decisiva para o sucesso de uma OPA ou de uma proposta de fusão. Até por isso, Paulo Azevedo, que agora lidera o grupo, tem tentado mudar a imagem da Sonae, afirmando que aceitam participar em projectos mesmo que não tenham a maioria, que não lançarão novas OPA hostis e que não são oposição aos governos. Fica apenas por esclarecer o que é que os consumidores ganham com esta fusão. Mas para quem já defendeu que a fusão da Optimus com a TMN tornava o mercado de telemóveis mais eficiente e competitivo, a resposta não deve ser difícil.
O empresário que o PCP detestava
Nunca percebi a sanha do PCP contra José Manuel de Mello. A CUF, fundada por seu avô, Alfredo da Silva, era, antes de 1974, uma empresa modelar. Dava emprego a milhares de trabalhadores, que beneficiavam de uma importante obra social. Além disso, a CUF foi a melhor escola de formação de trabalhadores e jovens quadros, donde saíram excelentes dirigentes empresariais e mesmo políticos do país. Para completar o quadro, nunca os Mellos, ao longo de várias gerações, que inclui a actual, deixaram de ser criadores de riqueza neste país e nunca a esbanjaram ou fizeram da sua ostentação um modo de vida, primando antes pela austeridade e discrição. Finalmente, se houve grupo que teve os seus bens nacionalizados em 1975 e pouco ou nada beneficiou das ajudas do Estado para os reconquistar foi certamente o Grupo Mello.
Mas José Manuel de Mello, um homem tão frontal que por vezes chegava a ser áspero, também não foi amado por muitos dos seus pares. Na última entrevista que concedeu ao Expresso, então com 76 anos, não teve papas na língua. Disse que Cavaco tinha conseguido o que Cunhal não obtivera: a destruição dos grupos económicos em Portugal, ao privilegiar o encaixe financeiro em vez da sua reconstrução. Quanto aos novos grupos que apareceram, fizeram-no, segundo dizia, com capital comprado - e, a partir daí, gerem a dívida. E assim não previa nada de bom para o país, dando como exemplo o facto de uma pessoa como Silva Lopes não ver nenhum inconveniente em que a EDP estivesse em mãos espanholas.
Foi ele o principal dinamizador do Manifesto dos 40, que visava consciencializar o país para o perigo das empresas portuguesas serem vendidas a interesses espanhóis. O Manifesto foi acusado de reunir o interesse dos que queriam o proteccionismo do Estado. Manteve-se firme mas reconheceu que o documento serviu para muito pouco. José Manuel de Mello foi um exemplo de coerência, coragem e integridade, tento dado um enorme contributo para o desenvolvimento e modernização do país. Houvesse mais como ele e não estaríamos na situação em que nos encontramos. Nicolau Santos Expresso.pt
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