sábado, 12 de setembro de 2009

"Nègres"


 

Alguns políticos franceses, como aqui já se referiu um dia, publicam regularmente livros, seja de reflexões temáticas, seja de memórias, seja - o que é ainda mais frequente - de ambições. De quando em vez, parte dos actores da vida política no activo sente necessidade de fazer uma espécie de "prova de vida" escrita. Isso leva-os à televisão, aos jornais e aos espaços nas mesas e estantes que as livrarias acordam com as distribuidoras. Os livros com êxito têm críticas nos jornais ou revistas e, muitas vezes, acabam mesmo por ter edições "de poche" - suprema glória. Quando não caem no goto dos leitores, a cobertura fica-se por umas meras recensões. Nestes casos, semanas depois, tais livros desaparecem da vista. Ou melhor, aparecem já pelos "bouquinistes", então a preço convidativo.

Foi agora revelada uma estatística curiosa: cerca de 80% dos livros subscritos pelos políticos franceses são, na realidade, redigidos por colaboradores, aqui chamados de "nègres" ou, numa versão mais simpática, de "plumes". Porque é que isso acontece? Por falta de tempo ou, as mais das vezes, por falta de jeito. Mesmo figuras com reconhecida capacidade própria de escrita, como De Gaulle, Pompidou, Mitterrand ou, mais recentemente, Dominique de Villepin, não dispensaram a ajuda constante de colaboradores para a produção das suas obras.

Esta nota destinou-se a criar o cenário para uma brevíssima história que ontem o "Le Point" trouxe, ocorrida entre dois políticos proeminentes, que mantinham entre si uma relação de ácida cordialidade. Um deles, ter-se-á virado para o outro e disse: "Vi que publicaste um livro. Quem to escreveu?". O interlocutor não respondeu, mas inquiriu: "E quem foi que o leu por ti?".

Aqui em França, tal como em outros lugares, a vida política é um espaço insuperável para a expressão de carinhosas manifestações de simpatia.

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