A crónica podia também chamar-se vitória de Pirro, pois a questão que o líder do PS tem pela frente é simples: ou (e nada o indica) tem uma vitória folgada ou sofre um destino de agonia política. Há um quadro famoso do francês Jacques-Louis David, pintado em 1787, que retrata a morte de Sócrates, o filósofo. No quadro, aquele que é considerado o pai da filosofia ocidental, depois de condenado à morte por razões essencialmente políticas (relacionadas com a derrota de Atenas face a Esparta), discursa convictamente perante os seus discípulos desanimados. Um deles, que lhe entrega a cicuta (o veneno que, de acordo com a lei, o matará), leva uma mão à cara como se não pudesse crer no destino do seu mestre. Sócrates morre convicto das suas ideias, mas desprezado pelos seus concidadãos. Digamos que a transposição para a actualidade tem pouco a ver. Há a convicção de Sócrates, a sua teimosia, existem os discípulos descrentes do seu destino, mas evidentemente não há cicuta nem a condenação. Mas há uma pergunta: como perdeu o líder do PS tanto apoio em quatro anos? Como chegou a este ponto, de ser o único primeiro-ministro eleito, em Portugal, a ter em dúvida a sua reeleição? Haverá várias explicações, entre as quais a do seu adversário há quatro anos ter sido Santana Lopes, o que lhe deu muitos votos de mera oportunidade; há as medidas do Governo que provocaram descontentamento; há lacunas de comunicação; há erros políticos, mas há, sobretudo, um exercício do poder que não foi de molde a criar qualquer empatia e um passado, entretanto posto a descoberto, que levanta muitas dúvidas sobre a probidade de alguns dos seus actos. Sócrates tomou todas as críticas e ataques políticos, incluindo os justos e injustos, como afrontas pessoais. Zangou-se, irritou-se, tornou-se irascível e - enquanto pensou que teria facilmente a maioria absoluta outra vez - pesporrente, arrogante, olímpico. Agora, e apesar de ter perante ele uma líder do PSD cuja imagem de seriedade não esconde a desadaptação ao tempo que vivemos - demasiado conservadora nos costumes, demasiado convencional e tradicional para agradar a eleitorados jovens - vê-se aflito para construir uma alternativa. Se recuássemos seis meses, veríamos o seu destino actual como o do filósofo: inacreditável. Claro que o líder do PS não tem tudo perdido. Mas se não tiver uma vitória distanciada do PSD (com mais de meia dúzia de pontos de diferença) terá muitas dificuldades em governar com partidos e líderes com quem levou tão a peito tantas divergências. Será, para citar Guterres na hora da sua demissão, um "pântano", um compasso de espera. Quando o PS voltar às grandes vitórias, por muito que ele fique na sua história, já não será com José Sócrates à frente.
Henrique Monteiro (www.expresso.pt)
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