Francisco Seixas da Costa
Foi na quarta-feira. Uma boneca pequena, de pano, estava pousada ao lado do balcão. Quando entreguei a carta, soou-me estranha a pergunta: "Não quer levar essa boneca, para oferecer a uma criança?". Gelei, por um segundo: minutos antes, soubera que uma pessoa próxima perdera uma criança, a horas do parto, pelo que eu próprio estava um pouco de luto. Uma boneca, noutro contexto mais feliz, poderia significar uma prenda. Mas logo me refiz. Estava na estação dos correios do aeroporto de Lisboa. (Os Correios eram uma instituição com simbolismo, na minha juventude, lá por Vila Real. As "senhoras" dos correios eram gente conhecida, quando nos abeirávamos dos balcões perguntavam-nos pelos estudos e pelos pais. Mais tarde, conheciam os meus vícios filatélicos, guardavam as novas emissões, os envelopes "do primeiro dia". Até os carteiros faziam parte da nossa paisagem urbana, conheciamos-lhes os nomes, estranhávamos quando iam de férias, surgiam impecáveis nas suas fardas - hoje alguns que me entregam cartas assustam, pelo aspeto, mas admito poder estar a ser injusto.) Bonecas à venda, nos Correios? Olhei o homem, face ao que me pareceu ser o insólito da proposta. Mas logo concluí que o "defeito" era meu. Raramente entro numa estação de correios. Por detrás e ao lado do homem havia uma parafernália de coisas para vender. Aa cartas pareciam um mero acessório, naquele mundo de quinquilharia em que os antigos CTT se transformaram. Registada a carta, o homem não desarmou: "Não quer um bilhete da lotaria?". Parecia que a sua "performance" dependia das vendas que fizesse. Fiz que não com a cabeça. Mas não resisti e, com um sorriso, perguntei: "Tem ações dos Correios para vender?" Atrás de mim, um cavalheiro respondeu por ele: "Isso é que é um bom negócio". É verdade: os Correios são um bom negócio. Exceto para os portugueses, cujo Estado deixou de possuir uma importante empresa de serviço público que, além disso, lhe era rentável. |
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