quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A campanha eleitoral australiana é conduzida pela barbárie

– Uma barbárie que não ousa confessar-se

por John Pilger
A campanha eleitoral na Austrália está a ser combatida com as vidas de
homens, mulheres e crianças. Alguns afogam-se, outros são expulsos para a
morte em campos de malária. Crianças são encarceradas atrás de arame farpado
em condições descritas como "um enorme gerador de doença mental". Este
barbarismo é considerado um ganhador de votos tanto pelo governo australiano
como pela oposição. Recordando o encerramento de fronteiras a judeus na
década de 1930, está a demolir a fachada de uma sociedade publicitada como
afável e feliz.

Se um milhar de australianos se afogasse em barcos a afundar no porto de
Sydney, o primeiro-ministro encabeçaria a nação no luto; o mundo
apresentaria condolências. Segundo uma medição, de 1998 afogaram-se 1376
refugiados quando tentavam alcançar a Austrália, muitos ao alcance de
resgate.

A polícia em Canberra, conhecida como "parem os barcos", evoca a histeria e
o cinismo de há mais de um século atrás quando se dizia que o "perigo
amarelo" estava a cair sobre a Austrália como se pela força da gravidade. Na
semana passada, o primeiro-ministro Kevin Roud recuou àquela era quando
declarou que a nenhum dos refugiados nos barcos seria permitido desembarcar
na Austrália. Eles devem, ao invés, ser enviados para campos de concentração
na Papua Nova Guiné, cujo governo foi adequadamente subornado.

'. Dentre elas estão pessoas que fogem de guerras e suas consequências,
guerras pelas quais a Austrália e seu mentor estado-unidense arcam com
responsabilidade. Aqueles que sobrevivem são feitos prisioneiros num gulag
implacável sobre as mais isoladas ilhas da Terra. Mulheres e crianças
remetidas para a Manus Island equatorial tiveram de ser evacuadas devido às
condições de infestação de mosquitos. Agora Manus está para receber mais
3000 refugiados que, com direitos legais negados, podem passar anos ali. Um
antigo guarda de segurança na ilha afirmou: "É de facto pior do que uma
prisão... As palavras não podem realmente descrevê-la... Nunca vi seres
humanos tão desamparados, tão inermes e tão sem esperança... Na Austrália, a
instalação não poderia servir como um canil. Os seus proprietários seriam
presos".

A Austrália é signatária da Convenção dos Refugiados de 1951. As acções de
Rudd não só são ilegais como enfraquecem a lei internacional de refugiados e
os movimentos de direitos humanos que a apoiam. Em 1992, o governo
trabalhista de Paul Keating foi o primeiro a impor a detenção obrigatória e
ilegal de refugiados, incluindo crianças. Desde então, governos australianos
têm travado uma guerra de propaganda sobre os refugiados, em aliança com os
media dominados por Rupert Murdoch. Vasta e escassamente povoada, a
Austrália pede "protecção" quanto a refugiados e pessoas que procuram asilo,
dentre os quais menos de 15 mil foram acomodados no ano passado – 0,99 por
cento do total mundial.

'. A natureza punitiva e racista desta política permite à Australian
Security Intelligence Organisation (ASIO) "avaliar" pessoas em segredo em
detê-la indefinidamente – tais como os tamils que fugiam da guerra civil no
Sri Lanka. Muitos não sabem porque são aprisionados e os seus filhos são
incluídos.

Claramente, Rudd espera ser reeleitos com esta "carta do medo". Políticos
britânicos fazem um jogo semelhante; mas na Austrália a raça está inscrita
quase geneticamente, como na África do Sul do apartheid. A federação dos
estados australianos em 1901 foi fundada sobre a exclusão racial e um medo
de "hordas" não existentes vindas de lugares tão remotos como a Rússia. Uma
política da década de 1940 de "povoar ou perecer" produziu um vibrante
multiculturalismo – mas permanece um racismo bruto, muitas vezes
inconsciente, numa corrente da sociedade australiana e este é explorado por
uma elite política com renitente mentalidade colonial e obsequiosa aos
"interesses" ocidentais.

A expulsão dos refugiados que chegam por mar, de Rudd, é concebida para
desconcertar seu oponente, o líder da coligação conservadora Tony Abbott, um
católico fundamentalista. Os trabalhistas restabeleceram Rudd na liderança
no mês passado porque a impopularidade de Julia Gillard ameaçava destruir o
partido nas eleições e, com isso, o clube estilo Westminster dos dois
maiores partidos da Austrália com as políticas mais indistinguíveis uma da
outra.

O movimento de Rudd não tem nada de novo – espancar os vulneráveis, dizem,
dá votos na Austrália, quer sejam refugiados ou aborígenes. O seu
antecessor, John Howard, espancava ambos. Pouco antes da eleição de 2001,
Howard afirmou que pessoas num barco arruinado haviam lançado ao mar suas
crianças e portanto não podiam ser "refugiados genuínos". Posteriormente,
foi revelado que o conto das "crianças lançadas ao mar" era uma
falsificação.

Duas semanas antes da eleição seguinte, em 2007, Howard declarou estado de
emergência no Northern Territory e enviou o exército a empobrecidas
comunidades indígenas onde, afirmou o seu ministro Mal Brought, gangs
pedófilas estavam a abusar de criança em "números impensáveis". A Comissão
Australiana do Crime, a Polícia do Território do Norte e especialistas
médicos que examinaram 11 mil crianças descobriram que suas alegações eram
falsas.

Embora ganhasse perdesse esta eleição, sua campanha malévola de difamação e
despojamento – ele pedia ao povo aborígene que entregasse o arrendamento da
sua terra – teve êxito ao devastar comunidades inteiras que ainda têm de
recuperar-se. Uma avaliação do governo que se tornou conhecida como a
"intervenção" descobriu um "desespero colectivo" entre os australianos
negros. A Associação Australiana dos Médicos Indígenas relatou fome
generalizada e inanição. As auto-mutilações e tentativas de suicídio
quadruplicaram.

Como líder da oposição naquela época, Rudd deu pleno apoio a Howard.
Posteriormente, como primeiro-ministro, ele apresentou uma desculpa pública
emotiva às dezenas de milhares de aborígenes australianos arrancados das
famílias durante do século XX, conhecidos como a Geração Roubada.
Tranquilamente, Rudd às vítimas compensação de qualquer espécie. Tivessem
eles sido brancos, ele não teria ousado. Quando lhe perguntei acerca disto,
respondeu: "Estas questões deveriam ser tratadas ao longo do tempo". Com a
expectativa de vida aborígene entre as mais baixas do mundo, as vítimas não
têm tempo.

O Partido Trabalhista desde então permitiu muitas das crueldades
assimilacionistas pelas quais Rudd pediu desculpas. No período de um ano,
até Junho último, 13.299 crianças aborígenes pobres foram tomadas das suas
famílias, mais do que durante qualquer dos anos infames da Geração Roubada.
Elas incluíam bebés tomados desde a mesa de parto. "Acreditamos que uma
outra geração roubada está verdadeiramente em marcha", disse-me Josey
Crawshaw, director de uma respeitada organização de Darwin para apoio à
criança. "Elas são arrancadas das suas comunidades, muitas vezes sem
explicação ou qualquer plano para devolvê-las, e são dadas a brancos. Isto é
engenharia social no seu sentido mais radical. É horrendo". Tanto para
aborígenes como para refugiados, a ironia é evidente. Só o povo aborígene é
verdadeiro australiano. O resto de nós – a começar pelo Capitão Cook – são
refugiados (boat people).
29/Julho/2013

O original encontra-se no Guardian e em johnpilger.com/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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