Na capital há caixas de cartão no chão, resíduos no contentor errado ou sacos ao lado de ecopontos. Sintomas de muito lixo e pouca fiscalização
Nem quatro horas se contam desde a última recolha de lixo. À porta da sua mercearia, Maria de Fátima já caçou uma infractora. "Aquela senhora ali da loja de roupa saiu para meter vários garrafões de água ali na esquina", censura, do alto dos seus 63 anos de moradora e comerciante no Bairro Alto, em Lisboa. À hora de almoço já há sacos de plástico e caixas de cartão acumulados nas ruas e nos passeios. É um problema que começa nos bairros históricos, mas alastra a toda a cidade. Em São Domingos de Benfica, por exemplo, há garrafas de vidro no chão, ao lado dos vidrões, ou casca de fruta dentro de papeleiras. "Isto não se endireita, acontece em todo o lado", avisa Fernando Correia, há 16 anos a limpar as ruas que os lisboetas sujam.
De dia ou pela noite, percorrer zonas como a Lapa, Alvalade, Entrecampos ou a Estrada da Luz parece confirmar a teoria deste varredor de rua. Mas é nos bairros históricos que os infractores mais perdem a timidez. "É a carroça a passar e só depois os sacos a aparecerem", denuncia, revoltada, Maria de Fátima, ao falar das três rondas diárias do serviço de recolha da Câmara de Lisboa no Bairro Alto. "Às 9h é a carroça do lixo comum", alcunha que dá à viatura, "e só depois vem" a vez "do vidrão, à tarde, e do papelão, à noite." Rotina que de nada serve "com tantas pessoas" a deitarem o lixo fora de horas. Trinta metros à direita, à esquina da rua, a merceeira revê o tal motivo para apontar o dedo à comerciante que divide consigo o passeio. "Porque é que não pôs os garrafões à porta dela?", questiona, com a mesma rapidez de palavras que usou para atribuir responsabilidades - "as ruas deviam estar limpas, e se não estão é por nossa culpa, das pessoas, que não são cuidadosas".
Um par de ruas estreitas acima, José Ferreira concorda. "A culpa", diz a sua experiência de 68 anos de morador, "é da falta de civismo." "E da câmara", acrescenta, pois a autarquia "só dá meia dúzia de sacos" a cada residente "à espera que o problema desapareça." Quantidade que "nem sempre chega para o lixo que os moradores fazem em casa".
À falta de sacos, a solução é colocar os resíduos "à porta de casa ou à esquina", revela, antes de lembrar, porém, que "90% da culpa" está "na vida nocturna" do bairro. E também em quem usa as ruas como casas de banho a céu aberto. José Ferreira nesse ponto é intransigente e carrega nas palavras quando se trata de criticar as "pessoas que vêm para aqui e mijam, cagam e deitam o que querem para o chão".
MAIS NO CHÃO QUE NO CAIXOTE Vinte minutos à escala de um passeio a pé são suficientes para chegar à Lapa. Ainda no centro histórico mas já fora do radar da noite lisboeta, este é outro bairro pintado com vários problemas. Quem o diz são os moradores. "É sujo e tem bastante lixo", desabafa Maria Froes, estendendo o cenário "a toda a cidade, que não está cuidada nem tratada". Um quarto de século a residir na Lapa chega-lhe para enumerar "os papéis, as garrafas, as beatas, a comida e os cocós de cães" como provas de "um grande problema de higiene". A culpa continua a morar no mesmo sítio: "É das pessoas e da sua falta de civismo, pois são elas que atiram em primeiro lugar o lixo para o chão."
Nem com campanhas de sensibilização a coisa parece mudar. "Já houve muitos avisos, mas os lisboetas continuam a não respeitar", lamenta Vítor Bastos, funcionário de limpeza de ruas da câmara que o i interrompeu por minutos, na Lapa. "Ainda bem que veio falar comigo", responde, ao recordar os seus 20 anos de serviço, preenchidos no passado entre o Príncipe Real e o Bairro da Boavista. "O problema do lixo nas ruas é geral" e "acontece em todo o lado", sublinha. O motivo é sempre o mesmo - "a falta de respeito" -, e Vítor assegura até que quem vive em Lisboa "mete mais lixo no chão que nos caixotes".
A falta de civismo é a justificação por todos apontada. Isso não impede no entanto que sejam os próprios moradores quem mais se queixa do lixo espalhado nas ruas. Até José Sá Fernandes o admite. "É um problema de desleixo", reconhece o vereador com o pelouro do Urbanismo e Espaço Público da câmara municipal, apesar de localizar "as maiores dificuldades" do problema nos "bairros históricos da cidade". Teoria só se prova na prática, e para isso o i afastou-se do centro e fez o primeiro teste à visão do vereador no Bairro de São Miguel, em Alvalade.
É na diferença que se encontra o primeiro problema. O bairro é exemplo de umas das zonas abrangidas pelo sistema de recolha selectiva, onde cada prédio tem três contentores para separar e reciclar lixo, que são depois recolhidos, porta a porta, a dias específicos. "Nos sítios com este sistema, a coisa está bastante melhor e foi um grande salto de qualidade em termos ambientais", defendeu Sá Fernandes. Um salto, porém, que não parece fazer com que a lei se cumpra, e Carlos Neves fez questão de o demonstrar. "Há uma regra que diz que só entre as 19h e as 23h se podem colocar os caixotes na rua, mas se reparar neste momento todos os prédios os têm à sua porta", explica o merceeiro, com mais de uma década de presença no bairro.
Ao longo da dita rua vêem-se várias tampas azuis e amarelas, sinais de caixotes reservados ao papel/cartão e plástico/embalagens. Montes de lixo e cartão ao lado de papeleiras, ou sacos de vidro deixados junto a vidrões também existem por aqui. "Não há respeito pelas regras, faz-se tudo de qualquer maneira e tudo se mete em qualquer lado", lamenta ao falar do que defende ser uma "patologia dos portugueses, que só fazem as coisas quando lhes dói, e se não doer deixam andar, qualquer que seja a situação".
Sá Fernandes explica casos como o do Bairro de São Miguel, com "a idade dos residentes", mais idosos, onde a colocação dos caixotes na rua "não afecta propriamente" o passeio. "Temos de facilitar um bocado, mas sem baixar os braços", defende. O Regulamento dos Resíduos Sólidos da Cidade de Lisboa, contudo, estipula que os contentores apenas sejam postos na rua entre as 19h e as 23h, e prevê coimas "de metade a cinco vezes o salário mínimo nacional" para quem "despejar, lançar, depositar ou abandonar" resíduos na via pública. Contas feitas, será uma multa entre os 242 e os 2425 euros. No Bairro Alto e na Lapa, zonas sem recolha selectiva, os residentes "têm de se deslocar ao ecoponto mais próximo" caso queiram que o seu lixo seja reciclado, resumiu o vereador.
FISCALIZAÇÃO EM FALTA Além da falta de civismo, o lixo nos passeios e os caixotes na rua fora de horas também são sinais de falta de fiscalização. Em Alvalade, Carlos Neves "não vê muita polícia". Pelo Bairro Alto também Maria de Fátima "nunca a viu", nem tão-pouco Maria Navarro, de 72 anos, avistou fiscais na freguesia de São Domingos de Benfica. Residente num bairro paralelo à Estrada da Luz - onde também existe recolha selectiva -, a reformada assegura que "nos sítios" onde passa "não vê muito lixo", mas detecta o mesmo problema de "nem sempre se cumprirem os horários" para colocar os contentores na rua. "É impossível modificar os prédios", argumenta, criticando "a falta de espaço nos halls de entrada dos edifícios para tanto caixote". Mas os moradores "têm de os gramar", avisa, pois "até acha bem" este sistema por "ser só descer as escadas e colocar o lixo".
Ali perto estava Fernando Correia, em mais um dos seus dias a limpar as ruas e recolher lixo ao serviço da autarquia. "Já lá vão 16 anos", diz. Com uma área de jurisdição "da Segunda Circular até à Praça de Espanha", o funcionário tem autoridade suficiente para concluir que "a malta não está educada". Mas quanto a isso nada a fazer: "Por muito que se tente, isto não se consegue resolver." Não mesmo? "Só se pusessem um fiscal ao lado de cada vidrão ou contentor", propõe.
O vereador Sá Fernandes confirma "ser impossível" ter "um fiscal em cada esquina", já que a câmara "não dispõe de meios nem vai contratar mais pessoas". O i pediu à Polícia Municipal, uma das autoridades competentes para fiscalizar nesta matéria, dados sobre as multas aplicadas por infracções ligadas a resíduos urbanos, mas, "atendendo ao período de férias", não obteve resposta em tempo útil.
De dia ou pela noite, percorrer zonas como a Lapa, Alvalade, Entrecampos ou a Estrada da Luz parece confirmar a teoria deste varredor de rua. Mas é nos bairros históricos que os infractores mais perdem a timidez. "É a carroça a passar e só depois os sacos a aparecerem", denuncia, revoltada, Maria de Fátima, ao falar das três rondas diárias do serviço de recolha da Câmara de Lisboa no Bairro Alto. "Às 9h é a carroça do lixo comum", alcunha que dá à viatura, "e só depois vem" a vez "do vidrão, à tarde, e do papelão, à noite." Rotina que de nada serve "com tantas pessoas" a deitarem o lixo fora de horas. Trinta metros à direita, à esquina da rua, a merceeira revê o tal motivo para apontar o dedo à comerciante que divide consigo o passeio. "Porque é que não pôs os garrafões à porta dela?", questiona, com a mesma rapidez de palavras que usou para atribuir responsabilidades - "as ruas deviam estar limpas, e se não estão é por nossa culpa, das pessoas, que não são cuidadosas".
Um par de ruas estreitas acima, José Ferreira concorda. "A culpa", diz a sua experiência de 68 anos de morador, "é da falta de civismo." "E da câmara", acrescenta, pois a autarquia "só dá meia dúzia de sacos" a cada residente "à espera que o problema desapareça." Quantidade que "nem sempre chega para o lixo que os moradores fazem em casa".
À falta de sacos, a solução é colocar os resíduos "à porta de casa ou à esquina", revela, antes de lembrar, porém, que "90% da culpa" está "na vida nocturna" do bairro. E também em quem usa as ruas como casas de banho a céu aberto. José Ferreira nesse ponto é intransigente e carrega nas palavras quando se trata de criticar as "pessoas que vêm para aqui e mijam, cagam e deitam o que querem para o chão".
MAIS NO CHÃO QUE NO CAIXOTE Vinte minutos à escala de um passeio a pé são suficientes para chegar à Lapa. Ainda no centro histórico mas já fora do radar da noite lisboeta, este é outro bairro pintado com vários problemas. Quem o diz são os moradores. "É sujo e tem bastante lixo", desabafa Maria Froes, estendendo o cenário "a toda a cidade, que não está cuidada nem tratada". Um quarto de século a residir na Lapa chega-lhe para enumerar "os papéis, as garrafas, as beatas, a comida e os cocós de cães" como provas de "um grande problema de higiene". A culpa continua a morar no mesmo sítio: "É das pessoas e da sua falta de civismo, pois são elas que atiram em primeiro lugar o lixo para o chão."
Nem com campanhas de sensibilização a coisa parece mudar. "Já houve muitos avisos, mas os lisboetas continuam a não respeitar", lamenta Vítor Bastos, funcionário de limpeza de ruas da câmara que o i interrompeu por minutos, na Lapa. "Ainda bem que veio falar comigo", responde, ao recordar os seus 20 anos de serviço, preenchidos no passado entre o Príncipe Real e o Bairro da Boavista. "O problema do lixo nas ruas é geral" e "acontece em todo o lado", sublinha. O motivo é sempre o mesmo - "a falta de respeito" -, e Vítor assegura até que quem vive em Lisboa "mete mais lixo no chão que nos caixotes".
A falta de civismo é a justificação por todos apontada. Isso não impede no entanto que sejam os próprios moradores quem mais se queixa do lixo espalhado nas ruas. Até José Sá Fernandes o admite. "É um problema de desleixo", reconhece o vereador com o pelouro do Urbanismo e Espaço Público da câmara municipal, apesar de localizar "as maiores dificuldades" do problema nos "bairros históricos da cidade". Teoria só se prova na prática, e para isso o i afastou-se do centro e fez o primeiro teste à visão do vereador no Bairro de São Miguel, em Alvalade.
É na diferença que se encontra o primeiro problema. O bairro é exemplo de umas das zonas abrangidas pelo sistema de recolha selectiva, onde cada prédio tem três contentores para separar e reciclar lixo, que são depois recolhidos, porta a porta, a dias específicos. "Nos sítios com este sistema, a coisa está bastante melhor e foi um grande salto de qualidade em termos ambientais", defendeu Sá Fernandes. Um salto, porém, que não parece fazer com que a lei se cumpra, e Carlos Neves fez questão de o demonstrar. "Há uma regra que diz que só entre as 19h e as 23h se podem colocar os caixotes na rua, mas se reparar neste momento todos os prédios os têm à sua porta", explica o merceeiro, com mais de uma década de presença no bairro.
Ao longo da dita rua vêem-se várias tampas azuis e amarelas, sinais de caixotes reservados ao papel/cartão e plástico/embalagens. Montes de lixo e cartão ao lado de papeleiras, ou sacos de vidro deixados junto a vidrões também existem por aqui. "Não há respeito pelas regras, faz-se tudo de qualquer maneira e tudo se mete em qualquer lado", lamenta ao falar do que defende ser uma "patologia dos portugueses, que só fazem as coisas quando lhes dói, e se não doer deixam andar, qualquer que seja a situação".
Sá Fernandes explica casos como o do Bairro de São Miguel, com "a idade dos residentes", mais idosos, onde a colocação dos caixotes na rua "não afecta propriamente" o passeio. "Temos de facilitar um bocado, mas sem baixar os braços", defende. O Regulamento dos Resíduos Sólidos da Cidade de Lisboa, contudo, estipula que os contentores apenas sejam postos na rua entre as 19h e as 23h, e prevê coimas "de metade a cinco vezes o salário mínimo nacional" para quem "despejar, lançar, depositar ou abandonar" resíduos na via pública. Contas feitas, será uma multa entre os 242 e os 2425 euros. No Bairro Alto e na Lapa, zonas sem recolha selectiva, os residentes "têm de se deslocar ao ecoponto mais próximo" caso queiram que o seu lixo seja reciclado, resumiu o vereador.
FISCALIZAÇÃO EM FALTA Além da falta de civismo, o lixo nos passeios e os caixotes na rua fora de horas também são sinais de falta de fiscalização. Em Alvalade, Carlos Neves "não vê muita polícia". Pelo Bairro Alto também Maria de Fátima "nunca a viu", nem tão-pouco Maria Navarro, de 72 anos, avistou fiscais na freguesia de São Domingos de Benfica. Residente num bairro paralelo à Estrada da Luz - onde também existe recolha selectiva -, a reformada assegura que "nos sítios" onde passa "não vê muito lixo", mas detecta o mesmo problema de "nem sempre se cumprirem os horários" para colocar os contentores na rua. "É impossível modificar os prédios", argumenta, criticando "a falta de espaço nos halls de entrada dos edifícios para tanto caixote". Mas os moradores "têm de os gramar", avisa, pois "até acha bem" este sistema por "ser só descer as escadas e colocar o lixo".
Ali perto estava Fernando Correia, em mais um dos seus dias a limpar as ruas e recolher lixo ao serviço da autarquia. "Já lá vão 16 anos", diz. Com uma área de jurisdição "da Segunda Circular até à Praça de Espanha", o funcionário tem autoridade suficiente para concluir que "a malta não está educada". Mas quanto a isso nada a fazer: "Por muito que se tente, isto não se consegue resolver." Não mesmo? "Só se pusessem um fiscal ao lado de cada vidrão ou contentor", propõe.
O vereador Sá Fernandes confirma "ser impossível" ter "um fiscal em cada esquina", já que a câmara "não dispõe de meios nem vai contratar mais pessoas". O i pediu à Polícia Municipal, uma das autoridades competentes para fiscalizar nesta matéria, dados sobre as multas aplicadas por infracções ligadas a resíduos urbanos, mas, "atendendo ao período de férias", não obteve resposta em tempo útil.
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