segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Com o fogo não se brinca, já dizia a minha avó

Domingos Amaral

 

É uma frase que qualquer criança ouve desde muito cedo: "com o fogo não se brinca!"

No entanto, dá-me a sensação que muitos réporteres de televisão esqueceram os conselhos das suas avós.

Todos os dias, ao ver as notícias, dou por mim a pensar quando vai magoar-se a sério o primeiro repórter televisivo.

É que, pela forma como as reportagens têm sido feitas dá a sensação que os repórteres e os homens das câmeras andam a brincar com o fogo.

Há diretos, extremamente espectaculares, com as labaredas quase a lamberem as costas dos repórteres.

Há imagens deles, a correr, a câmara aos saltos, a tremer, no meio de estradas, do fumo, dos populares desesperados. 

É como se a profissão de repórter dos incêndios fosse, também ela, uma profissão de risco.

Em busca da melhor imagem, os repórteres arriscam tudo, só para brilharem à noite, no telejornal.

Como já não há dinheiro para os jornalistas serem enviados para guerras distantes, eis os incêndios, como substituto à altura.

Em vez de correspondentes de guerra, temos correspondentes de fogos.

Até raparigas jovens se metem ali, entre o auto-tanque e a labareda.

Querem apanhar cada momento: o bombeiro, de máscara, que aponta a mangueira para as chamas imensas; o popular que chora, aterrado; a azáfama meio ensandecida da aldeia que vê o fogo aproximar-se; o movimento desordenado do jipes encarnados, sempre a circularem; o fumo que tudo cerca, como um nevoeiro sinistro.

Sim, o fogo é um tipo especial de guerra e mostrá-lo é um acto de coragem, mas também de orgulho.

Talvez os reporteres devessem ser mais cuidadosos, pois de tanta ânsia de mostrar, ainda se queimam um dia.

Morre gente, normalmente bombeiros, porque o fogo é um animal perigoso, imprevisível, letal, que quando se enfurece castiga quem o desafia.

A coragem, essencial no combate, tem de ser temperada pela lucidez permanente, senão o desastre é imediato.

E, só para filmar o espectáculo do fogo, não faz sentido arriscar a vida.

Dizia PJ O´Rourke que os jornalistas eram diferentes dos outros civis, pois quando todos os civis fugiam da guerra, os jornalistas iam a correr ter com ela.

E por isso muitas vezes morrem.

Com o fogo parece dar-se o mesmo fenómeno. Enquanto as pessoas fogem das labaredas, os jornalistas vão a correr ter com elas.

Tenho medo que isto um dia acabe mal. 


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