quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Crónica do défice

 
 
Por uns dias, volta a descer à cidade o circo da "troika". Tudo começa com as entradas e saídas apressadas dos automóveis, com os estagiários de imprensa, de "corneto" em punho, a gaguejarem umas perguntas em inglês a uns cavalheiros graves (já era tempo de escolherem uma senhora!) que eles estão desertos de saber que lhes não lhes dirão um simples "bom dia". Depois, segue-se aquele patético "perp walk" pelos corredores de S. Bento, até chegarem à cena com a presidente do parlamento (cá por coisas, adorava ser mosca nesta cena) e, minutos mais tarde, a reunião com a "balcanizada" comissão parlamentar de acompanhamento, de onde presumo que os homens devam sair mais confusos do que entraram. Há também a clássica ida ao Rato, onde o PS, seguramente, lhes repetirá aquilo que o seu secretário-geral já disse publicamente. Fecha esta primeira parte o encontro com a "concertação social", num ritual à volta de uma imensa mesa, que tudo indica ser um mero pretexto para uns minutos de antena de patrões e sindicatos à saída. 
 
Como toda a gente sabe, nas reuniões que acima referi não se passa realmente nada de importante, tanto mais que as posições de todas essas partes são já sobejamente conhecidas. Por isso, obviamente que o que interessa à "troika" são os encontros técnicos no ministério das Finanças (ou agora serão nas Laranjeiras?), onde o governo lhes dirá o que pôde ou não implementar, daquilo a que se comprometeu, desde a última avaliação.
 
Só que, desta vez, há, de facto, alguma coisa de verdadeiramente novo. O vice-primeiro ministro, que tem oficialmente a seu cargo o controlo político das negociações, deixou claro no parlamento, em coerência com o que sempre disse, que pretende explorar a possibilidade de vir a ser aceite um défice de 4,5% do PIB, provavelmente com vista a poder aligeirar o peso de algumas medidas de austeridade que se avizinham. Nessa posição de flexibilização, viria a ser acompanhado por um novo e importante ministro do seu partido. Logo de seguida, porém, a ministra das Finanças, num comentário em cenário báltico, não se desviando um milímetro das (antigas) orientações do seu antecessor e numa irrecusável coerência com o que ela própria sempre afirmou, veio dizer, de imediato respaldada pelo chefe do governo, que não passa de "ruído" a ideia de flexibilizar a meta de 4%, que está acordada para este ano, esclarecendo, mais tarde, que, se isso viesse a acontecer, apenas conduziria o país a ter mais défice para pagar. Porém, logo de seguida, o principal responsável, fora do governo, do partido que dirige o executivo, surgiu a acusar o FMI de "hipocrisia institucional", ao não aceitar alterar as metas do défice, embora reconheça em estudos a ineficácia do modelo de ajustamento. Mas, afinal, em que ficamos? Qual é a posição oficial portuguesa? Queremos ou não uma meta para o défice menos constrangente do que a que está prevista? 
 
Se há uma coisa consensual na vida diplomática, por um mero raciocínio de bom senso, é o facto da imagem de um país se fragilizar, de imediato, quando, perante um qualquer interesse nacional a defender na ordem externa, se deteta uma não coincidência entre as posições oficiais que surgem publicamente expressas. Neste caso, os mercados, nos juros e na atitude de uma agência de "rating", já deram sinais de lerem esta cacofonia como produto da reemergência de divisões internas no seio da maioria. Será mesmo assim? Estaremos a caminho de um "remake"?

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