A conversa decorria aí há uns vinte minutos. As relações de Portugal com aquele país, que eu passara em revista com o respetivo embaixador, que viera a Lisboa apresentar as suas cartas credenciais, não justificavam uma audiência muito mais longa.
O país que representava era uma ditadura, daquelas que o mundo não hesita a qualificar como tal, mas que teimam em apresentar-se como modelos das "mais amplas liberdades". Na fase final da conversa, aproveitei para deixar alguns "recados" que a União Europeia sempre enviava às autoridades desse Estado, os quais justificavam as reticências que, sobre o seu regime, mantínhamos e que limitavam a nossa abertura coletiva a uma maior cooperação.
Por um acaso, eu conhecia aquele embaixador, há já alguns anos. Havia sido ministro dos Negócios Estrangeiros do seu país e, à minha frente, ele ouvira em Bruxelas coisas muito mais violentas do que aquelas que eu agora lhe dizia, com alguma serenidade, a qual tinha também algo a ver com a simpatia pessoal que o homem me despertava.
Deixou-me falar até ao final e, quando terminei, pediu: "Importava-se que a nossa conversa continuasse sem a presença da sua colaboradora?". A minha adjunta, que tomava notas, saiu, a um sinal meu.
E foi então que me disse: "Desculpe esta minha atitude, mas eu precisava de falar consigo, a sós. Desde que nos conhecemos, Portugal, tem sido impecável conosco. Vocês dizem-nos o que o vosso governo pensa sobre o nosso regime, mas essas críticas têm sempre um tom construtivo, sem arrogância ou paternalismos. Gostava que soubesse que nós respeitamos muito o modo como Portugal atua".
Achei interessante, mas o que acabava de dizer não justificava o "tête-à-tête" solicitado. O que adiantou, de seguida, deixou tudo mais claro: "Nós conhecemo-nos já há algum tempo. Tenho defendido, da melhor forma que sei e posso, os interesses do meu país. Mas não imagina o que significa representar um Estado que é dirigido por um louco, por um déspota, que nos esmaga e que nos isola do mundo". E foi, por aí adiante, num requisitório em que revelou que vários colegas seus pensavam da mesma maneira, mas viviam aterrorizados e limitados naquilo que podiam fazer.
Já aqui escrevi, um dia, que a última coisa que um diplomata deve fazer, perante estrangeiros, é dizer mal das autoridades do seu país. Como dizem os americanos, "my country, right or wrong". Porém, devo dizer que fui sensível à tragédia daquele homem, um patriota confrontado com um ditador. Na diplomacia, como na vida, todas as regras têm exceções.
Porque é que me lembrei disto, hoje? Porque, há pouco, encontrei um outro diplomata desse país, que, já nem sei bem a propósito de quê, me começou a tercer loas sobre o seu bem-amado líder, uma figura funesta que permanece na cena internacional. Olhei ostensivamente para o meu relógio e achei que eram horas de mudar de ares.
Sem comentários:
Enviar um comentário