terça-feira, 26 de julho de 2011

'Bairrãogate': Passos Coelho mentiu e o Estado de Direito sentiu!

1. Voltamos hoje ao caso Bairraogate. Razão: a extraordinária e esclarecedora investigação levada a cabo pelo Expresso sobre (a real) justificação do afastamento de Bernardo Bairrão do elenco governativo. Afinal, é verdade que Passos Coelho utilizou um relatório dos serviços de informação da República Portuguesa para apurar eventuais negócios menos transparentes do ex-administrador da TVI. Com uma diferença face aquilo que aqui já escrevemos: o relatório foi elaborado ainda na era do governo José Sócrates - e não por encomenda originária de Passos Coelho. Confirma-se, além disso, a omnipresença da - quem mais? - Ongoing em mais um processo que é altamente censurável.
2. Mas será que este caso é marginal? Pouco relevante num momento em que o país se confronta com questões muito delicadas do ponto de vista económico-financeiro? Sim, caro leitor, as questões financeiras do país são vitais para o nosso futuro - mas não devem (não podem!) absorver tudo o resto da discussão política. O caso Bairraogate constitui uma ameaça aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e deve ser - categoricamente! - denunciada. O que se passa é o seguinte: os serviços de informação portugueses - que têm como função legal investigar ameaças à segurança e soberania nacionais - investigaram as relações económicas de um cidadão português (no caso, Bernardo Bairrão) com empresários africanos. Ora, o que está aqui em causa é a intromissão abusiva de uma entidade administrativa - é esta a natureza jurídica dos serviços de informação - na esfera privada de um cidadão. O estabelecimento de relações económicas e financeiras com empresários estrangeiras integra o conteúdo essencial da liberdade de iniciativa privada e económica, que é um direito fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa. A afectação de um direito fundamental - pelo menos, a definição do seu quadro jurídico - tem de ter uma intervenção mínima da Assembleia da República (nem que seja a autorização para o executivo legislar). Pois bem, os serviços de informação secreta estão sob a dependência direta do Primeiro-ministro - o que significa que, caso deixemos que o campo de intervenção do SIS seja arbitrário, o Primeiro-ministro pode a seu belo prazer mandar investigar qualquer um de nós. Sem critério. Apenas por conveniência pessoal ou política. Não nos podemos deixar vergar perante violações dos nossos direitos fundamentais - são eles a nossa defesa perante o poder político. Caso contrário, será o fim do Estado de Direito. O caso Bairraogate é mais um episódio negro da nossa democracia: as secretas foram usadas - mesmo! - para investigar a vida profissional de um cidadão. Se se suspeitasse da prática de algum crime, seriam os órgãos de investigação criminal (nomeadamente, a polícia) que teria de atuar, respeitando as vinculações legais constante do Código de Processo Penal e da Constituição. Utilizar as secretas para investigar Bairrão constituiu um desvio de poder (ou seja, exercer os poderes que a lei reconhece a certas entidades administrativas para um fim diferente do legalmente pretendido) e uma inconstitucionalidade flagrante na nossa perspectiva.
3. Que dizer quanto à decisão de Passos Coelho? Respeitamos que tenha querido afastar Bairrão para não criar suspeitas sobre o executivo e desgastá-lo objectivamente com casos do passado dos seus membros. Todavia, recorreu a um relatório do SIS que, a nosso ver , é ilegal e inconstitucional para fazer um juízo negativo sobre Bairrão. O que, convenhamos, não lhe fica bem. Em segundlo lugar, Passos Coelho mentiu - e mentir é muito feio - quando negou a utilização dos serviços de inteligência para obter informações sobre Bairrão.
4. Por último, lá voltamos nós à Ongoing. É impressionante como neste país de brandos costumes , considere-se normal que o ex-diretor dos espiões seja contratado para uma empresa privada para utilizar informações que recolheu no exercício das suas anteriores funções públicas. Isto é a promiscuidade pura entre o público e o privado! Eu já nem vou ao ponto de pedir um bocadinho de ética e de sentido de respeito pelas funções públicas que exerceu (já para não dizer descaramento) a Jorge Silva Carvalho. Para nós, seria inconcebível aceitar um cargo na Ongoing para divulgar a uma empresa privada informações confidenciais. mas, enfim, cada um sabe as linhas por que se cose. Julgamos que, no entanto, deveria existir um impedimento legal - claro e expresso - que proibisse este tipo de migrações laborais muito suspeitas. Um dos aspectos que iremos verificar com muita atenção é a pressão (e a influência) que a Ongoing exercerá sobre este governo de Passos Coelho...Estou curioso... 
João Lemos Esteves (www.expresso.pt)

Mail:politicoesfera@gmail.com

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