sexta-feira, 15 de julho de 2011

Olá, amigo!

Estou contigo. Entendo que merecias ser tratado, em Portugal, de outra forma. O modo, ainda que simpático, como o polícia te interpelou, há dias, naquela esquina do Terreiro do Paço, soou a estranho. Que diabo! Chamar-te a atenção pelo fumo! Como se isso fosse um grande crime, no meio da rua, com a tua idade...

Faz agora precisamente 21 anos que nos encontrámos pela primeira vez, em Londres, estavas tu recém-chegado da tua Alemanha natal. Durante mais de quatro anos, tivémos um convívio muito agradável, quase quotidiano. Deste mostras de te adaptares bem aos costumes britânicos. Sentias-te verdadeiramente em casa.

Mudaste-te depois para Portugal, onde cuidámos em encontrar lugar para te acolheres e encontrares ocupação, embora nem sempre contínua. Em certos períodos, convivemos pouco, andávamos mais com outros amigos. É que tu havias-te habituado, desde muito cedo, a ir, de forma muito radical, pelos caminhos da esquerda. Cada um é como é, mas essa tua idiosincrasia teimosa, devo dizer-te, chegou a preocupar-nos, temendo que pudesse ter consequências nefastas, que te levasse a inconvenientes choques, que não te adaptasses ao novo ambiente. Gostes tu ou não, as coisas, aí por Portugal, são o que são...

Passaste muitas férias conosco, fizémos imensas viagens em conjunto. Com a minha vida saltitante, tempos houve em que nos separámos, por longos meses. Mas sempre nos reencontrávamos, pelas nossas idas a Lisboa. E foste nossa companhia regular por esse país fora. Foste testemunha de alegrias, estiveste presente em alguns momentos menos bons. Portastes-te, quase sempre, como um amigo seguro e fiel. Às vezes, encontravamos-te um pouco em baixo, sem energia, a tua saúde preocupava-nos, pregaste-nos alguns sustos, mas sempre te recompuseste. Não vale a pena esconder que tens alguns vícios - para além do fumo! -, porque pertences a uma geração marcada pelo excesso do consumismo. Infelizmente - sei que não vais gostar que diga isto, mas aqui vai! -, bebias (e bebes!) um pouco demais. Nunca vimos remédio para isso mas, reconhecerás, sempre tentámos conduzir-te da melhor forma que sabíamos. Gastámos contigo tudo quanto foi necessário para que nada te faltasse, para o teu pleno bem-estar. E sempre te perdoámos todos os teus excessos, porque gostamos de ti.

Mas a vida é o que é. Agora, tudo assim o indica, vais deixar-nos de vez. Podes crer que, quando esse momento chegar, vamos ter muitas saudades tuas. Mas ainda não é tempo para falar dessas coisas tristes. Hoje à noite, em Lisboa, vamo-nos encontrar de novo. Iremos ao Procópio e, depois, partiremos juntos para férias, no norte do país. Até logo, carro amigo!

(Carta aberta ao meu BMW, de 1990, com britânico volante à direita, o único carro que possuo em Portugal e que agora vai deixar de ser autorizado a passar pela Baixa lisboeta e, dentro de um ano, de circular por toda a cidade, por exceder os níveis de poluição determinados por lei).

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