terça-feira, 8 de março de 2011

A tia Zé e a Líbia

 
Ao ver as notícias sobre os combates na cidade líbia de Brega, não pude deixar de lembrar-me da minha velha tia Zé.
Estávamos em torno da televisão, nesse agosto de 1968, em Viana do Castelo. As imagens eram da entrada das tropas soviéticas em Praga, com a subida dos tanques pela praça Venceslau, sob protestos populares.

A tia Zé vivia, desde sempre, num mundo diferente, um pouco alheado, distante daquele que nos mobilizava, frente ao televisor. Não era dada a seguir eventos noticiosos, nem sentia estímulo para participar em quaisquer conversas que excedessem o quadro familiar ou das amizades. Por uma vez, porém, os nossos comentários e exclamações, bem como a notória brutalidade do que observava, tê-la-ão feito compreender que alguma coisa não ia bem, lá pelo mundo exterior. A certo ponto, numa pausa do noticiário, ao entrar na sala com o tradicional café de saco, de cuja feitura não prescindia, a velha senhora deixou escapar: "As coisas estão mal lá por Braga, não estão?"

Se a boa da tia Zé, com o seu mau ouvido, não tivesse deixado, há décadas, de cuidar dos dias dos outros, imagino que hoje, ao escutar notícias sobre as movimentações militares em torno de Brega, voltaria a inquietar-se.

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