quinta-feira, 17 de março de 2011

Se não agora, quando?

A moção do Bloco, antes de ser já não era. No Governo há quem suspire de alívio, no PSD quem desespere pela oportunidade perdida e já suspire pelo garrote europeu. Mas o impasse será resolvido por algo menos previsível. Vivemos tempos estranhos. Num dia estamos a um passo do fim, no outro num imenso remanso. É estranho que assim seja, porque nada de improvável aconteceu nos últimos meses. Cavaco foi eleito à primeira, o PSD continuou à frente nas sondagens, os sinais de recessão aceleraram e o Governo emaranhou-se na dívida excessiva e no financiamento escasso. A questão decisiva continua a não depender de nenhum político português. O eventual recurso ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) depende unicamente do andamento da União Europeia. A entrevista de Wolfgang Munchau, na página 5 do Expresso, é cristalina nesse ponto. Munchau, um dos mais conceituados comentadores do "Financial Times", é bastante pessimista. Menos do que quando fala da dívida grega ou da banca irlandesa, mas pessimista. Acha que Portugal vai ter que recorrer ao FEEF, mesmo que seja numa versão mais doce do que a atual. Se a Alemanha aceitar reforçar e flexibilizar o fundo, como disse há 15 dias, o Governo português pode reclamar uma meia vitória porque só levanta a bandeira branca depois de a Europa mudar as regras. Se a Alemanha regressar ao modo hesitante, como aconteceu esta semana, Portugal não resiste e fá-lo sem poder e sem réstia de glória. Por razões políticas (a UE é um projeto político) e financeiras (depois de nós, a próxima vítima é uma Espanha grande de mais) continuo a achar que Portugal tem hipóteses de resistir ao recurso ao FEEF no atual modelo e evitar o garrote que sufoca a Irlanda de uma forma brutal, de que as eleições antecipadas vão ser um imediato reflexo. Apesar do óbvio paralelo com a Irlanda (onde o Governo que pediu o resgate vai ser varrido eleitoralmente), acho absurdo pensar que o nosso calendário político dependa disso. Durante alguns meses a direção do PSD, ou uma boa parte dela, só se agarrou a esta hipótese. Mas quem estiver atento, percebe que o discurso de Pedro Passos Coelho teve uma óbvia inflexão. O PSD não quer nem vai ficar dependente do calendário financeiro de Sócrates. Duvido que a crise seja no orçamento. Será seguramente antes e por uma razão política impossível de adivinhar. Há uma coisa que todas as pessoas que seguem a política sabem: é impossível prever os acontecimentos mais extremos. E será com base num acontecimento imprevisível que a crise política surgirá. O Governo pode tentar gerir a dívida. Mas ninguém gere o imprevisível. Ricardo Costa Texto publicado na edição do Expresso de 19 de fevereiro de 2011

Sem comentários: