terça-feira, 29 de março de 2011

Asas diplomáticas

Era (e é) um homem bastante mais velho do que eu, com um ar "grave" mas com uma imensa graça, um diplomata de linguagem franca e certeira. Chefiou postos importantes e, em todos eles, soube manter uma postura que tinha o seu quê de snobe, de aristocrático, sempre bastante irreverente, ao jeito algo britânico que cultivava.

Viajar com ele, pelo mundo, era uma delícia, pelas notas de ironia que, a cada passo, o quotidiano lhe sugeria, pelos qualificativos que colava à figura de colegas. Não se sabe bem porquê, um embaixador britânico, com um "stiff upper lip" exagerado, ficou por ele eternamente crismado de "Serafim", um antigo assessor diplomático de Belém era o "Brzezinski da Reboleira" e, a propósito de um ministro que, em meados de um qualquer Dezembro, estava a tomar-se ares de "grandeza", comentou alto, à mesa de uma reunião de trabalho, para ele ouvir: "é por esta altura do Natal que os 'pinheiros' têm o seu momento de glória"...

Um dia, viajávamos em grupo para uma capital europeia, cujo nome não é para aqui chamado. Ainda no avião, disse-me, algo angustiado como sempre foi pelas coisas da gastronomia:

- O nosso colega, que hoje oferece o almoço, é um dos embaixadores mais forretas da nossa carreira. Desde há décadas que, em casas dele, nunca comi outra coisa que não fosse frango. Você vai ver!.

Não fiquei nada preocupado, apenas curioso em saber se o meu colega tinha ou não razão. Eu não conhecia o nosso anfitrião, que nos aguardava no aeroporto. Pareceu-me um homem simpático. Ainda antes de nos acomodarmos no hotel, fomos diretamente para o almoço que nos oferecia na residência da embaixada.

Como o grupo era grande, o embaixador tinha previsto mesas redondas. Eu ficava numa mesa distante da do meu companheiro, que o dono da casa, por óbvias razões de antiguidade, tinha levado para junto de si.

O almoço começou. Os convidados mais importantes, à volta do embaixador, foram os primeiros a ser servidos. A certo passo, o meu olhar cruza-se com o do meu companheiro de viagem, sentado nessa mesa principal. Então, sem denotar qualquer particular expressão facial, esse meu amigo voltou-se ostensivamente para mim e, com os braços em ângulo reto, aproximou e afastou, por várias vezes, os cotovelos do corpo. O gesto não era nada elegante e, para alguns, terá parecido apenas um casual e inopinado exercício de descontração muscular. Só eu percebi: o almoço era, de facto, frango!

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