sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Pacheco Pereira e os bolcheviques à portuguesa, suaves.

É uma cena célebre de Pulp Fiction, de Tarantino. Dois gangsters, a caminho de um servicinho, conversam. Vincent (John Travolta) acabara de regressar aos Estados Unidos e conta a Jules (Samuel L. Jackson) a coisa mais gira da Europa: "Sabes como chamam, em Paris, ao hambúrguer de quarto de libra? Royale!" E a câmara de Tarantino busca a cara de admiração de Jackson. Ora bem, se em Lisboa o Big Mac se chamasse "Camarada Vichinsky" e o copo de Coca-Cola se chamasse cocktail Molotov, vocês não acham que o realizador teria dado o exemplo português em vez do pífio exemplo francês? Quentin Tarantino gosta de provocar e aqueles nomes extraordinários haveriam de tentá-lo. O problema é que em Lisboa o Big Mac chama-se Big Mac e a Coca-Cola pede-se pedindo Coca-Cola. Estes factos desmontam uma recente argumentação de Pacheco Pereira. Passo a explicar. Um destes dias, Pacheco Pereira, na revista Sábado, atirou-se a certa esquerda, hesitante entre a democracia burguesa - na qual ela começa a debicar algumas prebendas (graças a já muitos deputados) - e as saudades da "via revolucionária." Ele falava do Bloco de Esquerda (BE) e das suas franjas. É um assunto com interesse - ao qual até eu (geralmente mais interessado na espuma das coisas) me tenho dedicado. A novidade no discurso de Pacheco Pereira foi ele ter encontrado uns puros e duros, à volta do blogue 5 Dias, uns irredutíveis, adeptos da violência revolucionária. Os sinceros, aos quais Pacheco Pereira contrapunha os hipócritas do BE. Indo ao tal blogue, parece que Pacheco Pereira tem razão. Há lá um crítico de arte que defende o direito de Kim Jong-il à sua bomba nuclear, ao mesmo tempo que dispara citações de Badiou e Toni Negri, nomes que seriam arrestados na alfândega de Pyongyang e, verificado que não eram marcas de champagne para o líder, eliminados de imediato. Há lá um admirador do maluquinho que enfiou a estatueta do Duomo na cara de Berlusconi: "O que a democracia não resolve tem de ser o povo a resolver", titulou o 5 Dias. Proletários de todo o mundo, armem-se de estatuetas! Pacheco Pereira parece ter razão, aquele blogue é um lugar de revolucionários de violência assumida e sincera. Acontece que a sua análise treslê factos. Pacheco Pereira ouve vozes e toma-as por verdadeiras, só porque lhe dá jeito (neste caso, tira o chapéu aos sinceros do 5 Dias que execram aquele de quem Pacheco Pereira não gosta, para melhor denegrir os falsos revolucionários que ele acha que se bandeiam para aquele de quem Pacheco Pereira não gosta). Baixemos ao 5 Dias para lhe esmiuçar a sinceridade. O seu mais antigo colaborador é Nuno Ramos de Almeida. Há dias ele escrevia um post com o título "Tornar a violência visível", seguido de outro: "Saber dizer 'não'". Aparentemente, outro bolchevique de faca na liga. Porém, ainda há meses, ele trabalhava numa agência de comunicação, onde promovia a McDonald's. Telefonava a convidar jornalistas a irem à América assistir ao "Voice of McDonald's", o concurso de cantorias da empresa destinado aos trabalhadores. E, não, Nuno Ramos de Almeida não trabalhava para a McDonald's como um jovem proleta do balcão. Ele era "o" propagandista em Portugal da empresa que é o símbolo do imperialismo. "O" propagandista de uma acção dela que servia para alienar a consciência das massas trabalhadoras da exploração a que eram sujeitas. E isso sem mesmo a contrapartida de que o Big Mac, em Lisboa, ganhasse um nome revolucionário! Dir-me-ão: mas se ele trabalhava para agência de comunicação, que podia fazer?... Mas não o digam a mim, não fui eu que fiz um post com este título: "Saber dizer 'não'"...

Vão desculpar-me por falar de coisas tão sérias e autênticas, mas a culpa é do Pacheco Pereira que me arrastou para aí. Amanhã volto à espuma das coisas. Ferreira Fernandes.

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