(Francisco Seixas da Costa)
- Mas não te parece arriscado? E se o livro não se vende bem? - Não se vende?! Tu estás é doido! Temos é que começar a pensar nas novas edições! Isto vai ser um êxito estrondoso! A conversa era entre mim e o António Pinto Rodrigues, nesse "Verão quente" de 1975. Dizia respeito à ideia de fazermos uma "edição de autor" do livro "O Caso República", em lugar de aceitar uma proposta de uma editora, que só nos dava 10% do preço de capa. O António, o Toni, que era um intravável otimista, achava que o "êxito" era garantido e que, sendo nós responsáveis pela edição, meteríamos ao bolso uma "boa maquia". (Para registo, diga-se que a edição foi um completo fracasso, como já aqui contei. A distribuição feita pelo Lopes do Souto foi desastrosa e o livro vendeu-se mal, "ajudado" por um tempo em que já havia um cansaço desse género de obras. Andámos muitos meses a pagar e a "reformar" letras. Tempos mais tarde, ainda tentámos fazer um outro livro, sobre a Assembleia constituinte, mas, felizmente, o realismo conteve-nos.) Conheci o Toni nos corredores do ISCSPU, no final dos anos 60. À época, via-o ligado a colegas pouco sensíveis às inquietações político-associativas que então me mobilizavam. A nossa relação era, assim, algo distante e até áspera. Voltamos a ver-nos no serviço militar, já em 1974, quando eu coordenava a especialidade de "Ação psicológica" e ele era um indisciplinado instruendo. Aproximámo-nos por esse tempo. A seu convite, passei a colaborar, fazendo locução para filmes, para a "Cinegra", uma empresa de cinema onde ele trabalhava. Foi por essa altura que lançámos "O Caso República". Essa aventura pelo cinema acabou entretanto, eu entrei para o MNE e o Toni foi parar a S. Tomé, como professor-cooperante. Um dia de 1976, os cooperantes entraram em greve e o MNE mandou-me a S. Tomé resolver o problema. O líder dos grevistas e meu interlocutor era... o Toni! Ele gostou de S. Tomé e deixou por lá uma Antologia de Poesia Infantil de que guardo um exemplar dedicado. Em S. Tomé, o Toni conheceu a suave Dee, uma americana que aí trabalhava para o PNUD. Desse encontro nasceu, já em Lisboa, a Marla, de que sou padrinho de registo (tivémos de "olear" o oficial do cartório para aceitar o pouco comum nome). Por esse tempo, o Toni trabalhava na "Liber", na área editorial. Um dia, decidiu fazer concurso para a UNIDO, a agência das Nações Unidas para o desenvolvimento industrial. Nela chegaria a lugares cimeiros, tendo sido, historicamente, um dos portugueses que ocupou cargos mais destacados em organizações internacionais. Viena passou então a ser a sua cidade, numa existência com visitas regulares a Sande, perto de Lamego, onde a sua mãe, a encantadora dona Irene, se mantinha como um dos grandes amores da sua vida. Por Viena nos encontrámos muito, nos dois anos em que por aí vivi. Até essa altura, tinhamo-nos cruzado pelo mundo, com alguma regularidade. Uma noite, em Londres, juntei-o num jantar com o Rui Santos, um outro grande amigo já desaparecido. Foi um desastre! Ambos eram pessoas afirmativas, confrontacionais, "pegaram-se" numa interminável discussão e a noite estragou-se. É que o Toni é de ideias fortes, "definitivas" e raramente tem dúvidas. Muitas discussões tivemos nós, principalmente quando eu andava pelo governo! Mas sempre como grandes amigos. Dos EUA, onde agora reside, chegaram hoje notícias preocupantes sobre a saúde do António, que nos deixam muito tristes. Deixo-lhe aqui um fraternal abraço, extensivo à Dee, à Marla e ao Manel. E também ao Rodrigo. Com votos de que todos possam manter a imensa coragem que a extraordinária lição de vida do António sempre lhes ensinou. |
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