A dona Maria Garcia era uma mulher alta e imponente, de óculos grandes, passo pesado e olhar perscrutante. Sobre a sua vida amorosa, quando jovem funcionária, corriam lendas pela casa, dizendo-se que quebrara vários corações diplomáticos. Quando a conheci, ao tempo em que eu dava os meus primeiros passos pelos corredores das Necessidades, era já uma senhora idosa, sempre com um inconfundível e impositivo perfil.
Rigorosa e implacável nas suas funções, a dona Maria Garcia era tida como um pilar na área da administração da casa, onde coadjuvava essa outra figura mítica da carreira, o embaixador Humberto Morgado, durante quase duas décadas diretor-geral desse setor. Dizia-se que, nesse "quarto andar", nada se fazia de importante que não passasse pelo crivo da dona Maria Garcia. E, efetivamente, havia sinais claros da sua competência profissional.
Em inícios de 1979, fui colocado na nossa embaixada em Oslo. Como sempre acontece nas transferências - e, por maioria de razão, na primeira saída para o estrangeiro - há toda uma série de papelada para tratar. Eu trabalhava dois andares abaixo e, com alguma premeditação, decidi organizar todo esse expediente administrativo... à distância. Assim, pedia os formulários, preenchia o que tinha a preencher e ia mandando entregar as coisas nos diversos setores administrativos, furtando-me sempre a subir ao "quarto andar". Fui bem sucedido em todas essas diligências, até um dia.
Informaram-me, a certo passo, que tinha de me deslocar a uma repartição, para assinar um determinado documento. Uma vez mais, inventei um pretexto qualquer e mandei perguntar se podia assinar o documento no meu serviço, devolvendo-o posteriormente. Foi então que recebi uma chamada telefónica da dona Maria Garcia, com quem eu nunca tinha trocado uma palavra: "Ó doutor! Soube que pediu para que lhe enviássemos um papel para aí o assinar. O doutor não pode deslocar-se cá acima? Com certeza, não julga que vai ser o primeiro diplomata que consegue partir para o estrangeiro sem passar pelo meu gabinete...". Fiz-me "de fino" e respondi-lhe: "Senhora dona Maria Garcia. Eu tinha precisamente a intenção, após concluído todo o expediente burocrático, de passar por aí a cumprimentá-la, antes de partir para a Noruega". Do lado de lá da linha, ouvi um elucidativo: "Pois, pois..." E lá fui eu, nessa tarde, um pouco embatucado, passar pelo pequeno gabinete a partir do qual a dona Maria Garcia dominava a gestão do MNE.
Informaram-me, a certo passo, que tinha de me deslocar a uma repartição, para assinar um determinado documento. Uma vez mais, inventei um pretexto qualquer e mandei perguntar se podia assinar o documento no meu serviço, devolvendo-o posteriormente. Foi então que recebi uma chamada telefónica da dona Maria Garcia, com quem eu nunca tinha trocado uma palavra: "Ó doutor! Soube que pediu para que lhe enviássemos um papel para aí o assinar. O doutor não pode deslocar-se cá acima? Com certeza, não julga que vai ser o primeiro diplomata que consegue partir para o estrangeiro sem passar pelo meu gabinete...". Fiz-me "de fino" e respondi-lhe: "Senhora dona Maria Garcia. Eu tinha precisamente a intenção, após concluído todo o expediente burocrático, de passar por aí a cumprimentá-la, antes de partir para a Noruega". Do lado de lá da linha, ouvi um elucidativo: "Pois, pois..." E lá fui eu, nessa tarde, um pouco embatucado, passar pelo pequeno gabinete a partir do qual a dona Maria Garcia dominava a gestão do MNE.
Conta-se que, chegado o momento da sua aposentação, a partida da dona Maria Garcia provocou uma crise na administração da casa, tendo sido necessário, para grande gozo da senhora, solicitar-lhe que viesse ajudar benevolamente, durante algumas semanas, as pessoas que tinham ficado a substituí-la.
Poucos anos mais tarde, recordo-me de a ter vislumbrado, ainda com a imponência física que a caraterizava, a descer a Infante Santo. A dona Maria Garcia deve ter desaparecido há já bastante tempo. Era dessa nobre raça de grandes funcionários de que a administração pública portuguesa se alimentava.
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