sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Sarmentos

Há dias, o antigo ministro Moraes Sarmento disse numa entrevista que "a rede diplomática (portuguesa) é ainda hoje a de um país com ambições imperiais ou de potência regional". Para concluir, grave e sentencioso, que "manifestamente, não é esse o tempo em que vivemos". Na altura, tomei disso nota aqui, para não esquecer. E agora comento.

A ignorância política, como infelizmente se tem visto em bastantes outros registos, é uma das mais perigosas formas de estar na vida pública. As pessoas falam "de cátedra" do que não sabem nem conhecem bem, com uma ligeireza a que já ninguém reage. Aparentemente, o dr. Moraes Sarmento, que chegou a ministro de um governo presidido pelo dr. Durão Barroso, não estará convencido da adequação da atual dimensão da máquina diplomática e consular portuguesa às necessidades de defesa dos interesses do país na ordem externa. Não sabemos se o dr. Barroso, que foi ministro da pasta, concorda com aquele seu antigo colaborador; e é pena que o não saibamos. Para memória futura.

Ao que parece, nunca ninguém terá explicado bem ao dr. Sarmento que, jogando Portugal muito do seu futuro na área internacional - em termos da importância cada vez maior da projeção de interesses económicos (comércio, investimento, turismo) e de proteção da influência que criou à escala global, com efeitos na diáspora e na língua, bem como na margem possível de manobra na ordem europeia -, se torna absolutamente indispensável para o nosso país, com um dispêndio orçamental que não chega a 1% do orçamento geral do Estado, preservar um mínimo razoável de capacidade interventiva externa. Digo "mínimo" porque, no que toca ao Ministério dos Negócios estrangeiros, e como bem se sabe, estamos já "no osso" e tornar-se-á impossível, se acaso os meios vierem a reduzir-se ainda mais, continuar a trabalhar com uma eficácia aceitável.

Ouviu-se alguém reagir às ideias do Dr. Sarmento, das bandas do governo ou da oposição? Alguém, das estruturas de representação sindical da diplomacia ou da dos quadros administrativos, teve uma palavra de resposta firme e esclarecimento público perante a absurda asserção do dr. Sarmento? Qual quê! Silêncio foi o que se ouviu. Porquê? Porque não há nada mais popular, nestes tempos de "voyeurisme" orçamental coletivo, do que zurzir os diplomatas, a estrutura diplomática e a sua suposta inutilidade. Por isso, o dr. Sarmento sabe bem que está no "safe side" e que pode, com total impunidade, dizer as frases sonantes que diz, não obstante a sua gritante irresponsabilidade.

As declarações ligeiras do dr. Sarmento são a prova de que este modelo de afirmação política arrogante, quando assumido com um fácies grave e a dar-se ares de sentido de Estado, por muito pouco ou nada que se saiba daquilo de que se está a falar, continua a ter um direito de cidade garantido no Portugal em que vivemos. Mais uma razão para o denunciar, sem tibiezas.

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