Estávamos no belo e espaçoso jardim em volta daquela nossa embaixada, num país da África Oriental. Recordo-me de estar a beber um Pimm's, a bebida mais adequada para o cenário pós-britânico em que nos encontrávamos, nesse final de tarde, com uma temperatura deliciosa, descansando depois de muitas horas de "jeep" a atravessar um deserto, vindos de outro país, onde havíamos participado numa reunião internacional.
O embaixador português e a sua mulher, pessoas muito agradáveis e educadas, haviam insistido para que parte da delegação que acompanhava o membro do governo português ficasse instalada com ele na residência, fugindo ao ambiente inóspito do hotel.
A conversa ia boa e solta. Já não sei bem porquê, falou-se de música e, de repente, dei comigo a elaborar, de forma muito crítica, sobre as letras das canções de alguns dos mais conhecidos intérpretes da nossa praça, atacando o seu sentido "popularucho" e a sua frequente deriva para o facilitismo. O meu discurso aproximava-se, a passos largos, do inevitável "name-dropping" quando comecei a notar, na cara do meu colega António Monteiro, uns esgares um tanto estranhos, que não me pareciam derivados do sabor do Pimm's. Outro diplomata presente, o João Salgueiro, fazia-me sinais crípticos. O Manuel Lopes da Costa, sempre imperial na sua barba branca, arregalava-me os olhos. Só o membro do governo se mantinha, como o estatuto porventura exigia, numa serena e impenetrável impassibilidade. O embaixador, esse, sorria.
Foi então que a embaixatriz, delicada e inteligente, com um tato superior, atalhou: "Você tem toda a razão. Esses cantores e compositores, às vezes, vão por caminhos um tanto ridículos. Tenho avisado disso, para que procure evitar esses erros, o meu irmão, o José Cid. Acha que ele caiu nesse pecadilho?".
Escondi-me atrás da palhinha do Pimm's, porque, infelizmente, aquele imenso jardim não tinha um buraco para eu me meter...
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