Portugal e a França são dois países que partilham uma intimidade antiga, que os tempos mais recentes não têm deixado de consolidar. A presença de uma importante comunidade portuguesa em território francês – a maior que Portugal tem no mundo –, bem como a continuidade de uma forte relação cultural, constituem o sólido pano de fundo em que hoje se projectam as relações políticas e económicas, que dão substância a um perfeito entendimento bilateral.
Os últimos anos encontraram Portugal e França no mesmo terreno de objectivos sobre a necessidade de trabalharem conjuntamente para ser mantida a vitalidade do projecto europeu e para garantir que o processo de integração política do continente possa ser utilizado como um instrumento para a promoção da paz e a da segurança internacionais. O trabalho levado a cabo por Lisboa e Paris, durante as suas recentes presidências da União Europeia, mostrou uma importante identidade de objectivos e a fidelidade a uma agenda comum de interesses. A continuidade de um excelente diálogo político, nos tempos posteriores a esses exercícios, demonstra que estamos perante uma firme linha de continuidade.
A situação internacional evoluiu, porém, nos últimos anos, num registo de alguma instabilidade, reflectida em diversos domínios, o que obriga a novas respostas de natureza colectiva. França e Portugal têm mantido um diálogo intenso e frutuoso sobre essas diversas dimensões. Tal foi o caso da reacção à crise económica global, onde ambos os países souberam transmitir às instâncias europeias a sua vontade de caminhar para a adopção de medidas de saneamento da regulação financeira e de normas constrangentes para aumentar a transparência dos procedimentos nesse domínio.
No plano interno, ambos os países desenharam programas nacionais de medidas de estímulo económico, susceptíveis de contrariarem os efeitos negativos da crise e estabilizarem os sectores por ela mais afectados. O facto de ambas as economias, não obstante as fragilidades que ainda as afectam e que vão perdurar por algum tempo, terem conseguido sair simultaneamente do estado de recessão técnica em que se encontravam mostra que as receitas adoptadas foram as correctas.
Como referido, França e Portugal optaram, no auge desta crise, por programas de estímulo económico e empresarial, de paralelo com intervenções pontuais em sectores financeiros cuja disrupção poderia ter consequências de "bola-de-neve". Além disso, bem conscientes das implicações sociais da instabilidade da confiança económica, adoptaram, à luz das disponibilidade orçamentais que um tempo de limitações impõe, medidas de auxílio para sectores populacionais mais fragilizados.
Porém, não interessa a ninguém esconder que o futuro tem ainda algumas núvens pela frente. A retoma da economia internacional não está já ao virar da esquina, os impactos da crise sobre certos sectores produtivos podem ter consequências dramáticas e definitivas para algumas unidades produtivas, os níveis de desemprego tenderão a manter-se e, eventualmente, a agravar-se num futuro próximo.
Ainda no campo macroeconómico, França e Portugal vão ter de encontrar formas de garantir que, no médio prazo, conseguem reduzir os importantes défices orçamentais entretanto gerados, que vieram contrariar o esforço de redução que, com inegável êxito, vinha a ser levado a cabo por ambos os Governos, nos últimos anos. A circunstância da dívida pública ter crescido por essa via, bem como a possibilidade de poder vir a ser difícil reduzi-la num tempo próximo, no caso de uma eventual subida das taxas de juro, são elementos que têm de ser equacionados – nomeadamente à escala europeia, onde é importante encontrar uma resposta flexível e isenta de qualquer rigidez fundamentalista, que coloque os "critérios de convergência" ao serviço do crescimento e não apenas subordinados à ortodoxia financeira. Resta ainda a grande incógnita da factura energética, que pode vir a alterar todas as equações, por ter associada a si condicionantes de ordem político-estratégica que não está nas mãos dos dois países controlar.
Interessante foi também verificar que, tanto em Paris como em Lisboa, parece prevalecer uma leitura favorável a uma política de investimentos públicos que, ao mesmo tempo, reactive sectores empresariais capazes de absorver força de trabalho, sendo indutora de efeitos multiplicadores em áreas colaterais de actividade, com atenção paralela em domínios em que assentarão a vias do futuro – investigação, novas tecnologias, energias renováveis, etc.
Olhando agora mais para esse mesmo futuro, e especificamente no tocante às relações económicas bilaterais, parece ser importante que ambos os países – Estado e operadores económicos – consigam empreender uma reflexão conjunta sobre alguns aspectos que sobredeterminam esse mesmo quadro. Além disso, será vital consolidar e consensualizar, no quadro da União Europeia e no âmbito das medidas a tomar face à presente crise, qual a política de ajudas de Estado que pode vigorar, em moldes que não falseiem o Mercado Interno, mas permitam carrear legítimos estímulos a sectores em dificuldade.
Julgo que, neste contexto, o papel das Câmaras de Comércio bilaterais, em Lisboa e em Paris, é insubstituível. Torna-se muito relevante, para ambas as diplomacias, poderem acompanhar, com o maior cuidado, a sensibilidade dos agentes económicos, as suas dificuldades e interesses, com vista a poder apoiá-los para um maior reforço das relações económicas. O nosso futuro depende muito dessa solidez de relacionamento e do modo como ambos os países forem capazes de definir, dia-a-dia, um terreno comum de partilha de interesses e objectivos.
(Texto publicado no boletim da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Francesa, em Lisboa)
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