Domingos Amaral
Na semana passada, Paulo Portas teve um dos seus momentos de delírio, e comparou a saída da "troika" à libertação de Portugal do jugo dos Felipes de Espanha. 2014 seria assim um 1640 financeiro, um momento épico da história do país, onde voltaríamos a ser gloriosamente independentes! Estas comparações históricas não deixam de ser divertidas, mas são normalmente um bocado superficiais, e não resistem a um confronto mais pormenorizado com a realidade. Convém lembrar ao Dr. Portas que, em 1640, Portugal era um reino cujo rei era espanhol. Depois de umas escaramuças, e de um vazio de liderança por cá, os reis espanhóis tomaram conta disto, e mandavam em nós. A "ocupação" durou 60 longos anos, e só quando se encontrou um candidato à altura de ser rei de Portugal, é a que a coisa se resolveu, com mais uma guerra pelo caminho. 1640 foi pois um momento de libertação de uma ocupação política, militar e económica. Ora, que eu saiba, não é isso que se passa em 2013. Que eu saiba, Portugal não foi invadido pela "troika", contra a sua vontade. Pelo contrário, foi o país que pediu ajuda, candidatando-se a uma resgate internacional. E quem é que nos ajudou? Bem, que eu saiba, foram países que, como Portugal, fazem parte de uma entidade política comum, a União Europeia. Que eu saiba, ninguém nos obrigou, pelas armas, a pertencer à União Europeia e ao euro. Foi uma coisa voluntária, e bastante consensual, por cá. Não fomos invadidos, nem ocupados, cedemos a soberania porque quisemos, e porque achámos que isso era bom para nós. Portanto, que eu saiba, a "troika" não representa potências ocupantes, pelo contrário, representa-nos a nós mesmos, e aos nossos aliados e amigos, que responderam ao nosso pedido de ajuda. É claro que podemos dizer que esses nossos amigos não são muito generosos, e nos obrigam a fazer coisas que nós não gostamos. Mas dizer que isso é uma "ocupação" semelhante à dos espanhóis, é capaz de ser um pouco exagerado, não é verdade? Acrescente-se ainda que não tenho notado que este Governo seja contra a "troika". Bem pelo contrário, desde o primeiro dia disse que queria ir além da "troika"! O que nos deixa um pouco perplexos, pois se a troika é uma potência ocupante, e queremos libertar-nos dela, talvez seja um pouco complicado de perceber porque é o Governo cumpre rigoramente o que a "troika" manda, e até faz mais do que o mandam. O estranho é que, se admitirmos o raciocínio de Portas, de que estamos ocupados, então a conclusão lógica é de que Passos e Portas não passam dos meros executores da política de ocupação, e portanto são umas "marionetas espanholas", como foram muitos durante os 80 anos da ocupação dos Felipes... Mas, a coisa é ainda mais estranha, se pensarmos que, depois de 2014, da famosa "hora da libertação", do Dia da Independência do Dr. Portas, nós vamos continuar exactamente na mesma, a pertencer à União Europeia, no euro, e a ter de fazer tudo o que eles nos mandam! Não se consegue perceber bem onde é que estará a independência nesse dia, mas se calhar o burro sou eu! Portanto, o 1640 do Dr. Portas vai ser o dia em que vamos...continuar exactamente na mesma, a receber ordens de Bruxelas! Os Filipes, caro Dr. Portas, foram-se embora, corridos daqui numa guerra. Os europeus vão continuar por cá, e a mandar cada vez mais. Não se iluda, Dr. Portas, o dia da Independência é uma fantasia da sua cabeça. Os senhores da "troika" podem deixar de cá vir ter reuniões, mas o senhor continuará a andar às ordens da Sra Merkel... |
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