Simplesmente comovente é como posso qualificar o espetáculo "Estado Civil", a que ontem à noite assisti no espaço do MC93, em Bobigny, nos arredores de Paris. Feito a partir do texto de uma entrevista dada por António Lobo Antunes à jornalista Maria Luísa Blanco, editada em 2002, o trabalho traça, de forma criativa e com uma simplicidade cénica muito rica, o percurso pessoal do escritor, ligando extratos das conversas a textos das suas obras e cartas. É um retrato vivo do Portugal contemporâneo o que acaba por resultar deste excelente espetáculo, onde as memórias familiares de infância (de uma infância em que todos descobrimos traços que nos são comuns) e os traumas evidentes de um percurso profissional dedicado a mentes perturbadas se somam às inquietações eternas da memória lusa da guerra colonial, tudo visto à luz dessa bizarra melancolia, saudosa e torturada, que parece ser o nosso eterno destino e, quem sabe?, o segredo do "esplendor de Portugal", que Lobo Antunes ironicamente celebra num dos seus livros.
Durante todo este primeiro semestre de 2011, diversos textos e pretextos servirão para celebrar a genialidade do escritor, numa temporada teatral (e não só: haverá leituras, gastronomia e muito mais , neste conjunto de eventos intitulado "Ce soir je n'y suis pour personne sauf pour António Lobo Antunes") de 50 sessões organizadas pelo MC93, dirigido por Patrick Sommier, uma estrutura de criação cultural independente que, para o efeito, se aliou à editora francesa de Lobo Antunes, Dominique Bourgois. "Estado Civil" é o primeiro espetáculo dessa série, a poucos dias do lançamento da 25ª tradução francesa do autor.
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