Francisco Seixas da Costa
Hoje, volto ao tema CDS, que é uma formação política que está a "sair muito" este verão. A proeminência - se bem que ainda não a preeminência - dos "centristas" no seio da maioria é o tema mais badalado destes dias e, estou certo, dominará as conversas sob os toldos, do Moledo à Balaia, passando (claro!) pela Comporta, com os Tomates e a Manta Rota a remoerem. O CDS, como aqui já foi dito há dias, é uma estrutura de representação política que, a partir de 1974, deu acolhimento democrático a vários setores conservadores, a maioria dos quais tinham com o 25 de abril uma relação menos entusiástica - e isto é obviamente um "understatement". Os núcleos do CDS surgiram, mais ou menos a medo, pelo país, perseguidos por uma esquerda que os via como encapotados saudosistas da ditadura e desprezados por uma direita mais radical, que quase os apodava de colaboracionistas com a nova situação. Não deve ter sido fácil "ser CDS" por esses tempos, tanto mais que, à sua imediata esquerda, nascia um partido que, com o tempo, apareceu a muitos conservadores mais pragmáticos como aquele que melhor garantiria uma fatia imediata de acesso ao poder político - o então PPD. Para este, a existência do CDS era uma bênção, porque assim assegurava que passava a existir uma estrutura à sua direita, que o afastava um pouco desse setor diabolizado do espetro político. O CDS foi sempre um partido de um líder. De início, foi Freitas do Amaral que o titulou, com aquele ar cinquentão de quem tinha uma pose de Estado e apenas trinta e poucos anos de idade. Ao seu lado, como inteligência estratégica, sobressaía Amaro da Costa - que a trágica desaparição em 1980 converteu numa espécie de eterno mito partidário. É curioso notar que Freitas do Amaral não conseguiu fixar, na história interna do CDS, o lugar afetivo que a sua liderança inicial justificaria. Porquê? Porque, a partir de certa altura, cavalgando ambições próprias, decidiu "fazer pela vida" e iniciou um "never-ended" percurso zigzaguiante de alianças, que continua a deixar aturdidos os observadores políticos e deve ter colocado "à beira de um ataque de nervos" os seus seguidores originais. Toda a história do CDS é o drama de uma formação que, pela natureza da sua alegada matriz política, internacionalmente relevante, se pressente vocacionada para a partilha uma fatia do poder democrático, mas que tem consciência de que só minoritariamente a ele pode ter acesso, por razões que se prendem com a inultrapassável natureza do sistema nacional de representação política. O CDS não é um partido desejado pelos seus coligados (sejam eles o PSD ou o PS): esses partidos apenas o aceitam porque necessitam do CDS para arredondar as suas maiorias. E, quando colocados nesse contexto, essoutros partidos têm sempre de sofrer a imperiosa necessidade do CDS afirmar uma identidade programática específica. Porque o CDS sabe que, se acaso se subsumir excessivamente numa maioria que nunca liderará, perderá o seu eleitorado específico. E, por isso, sente-se sempre obrigado a fazer recorrentemente prova de vida própria. Quem é que vai para o CDS? Durante muito tempo, "ser do CDS" estava para a política como ser do Belenenses estava para o futebol, tirando uns teimosos abastados rurais, comerciantes, pequenos industriais e profissionais liberais de província que se estavam nas tintas para o Estado e não temiam de ser apelidados de "fachos". Noutras geografias, da Lapa a Nevogilde, era mesmo "bem" ser do CDS, embora se soubesse que o caminho fácil para um conservador ter um futuro político estava mais no PSD. Essa sua matriz específica, que pouco retribuía, fez com que, ao longo dos tempos, o CDS fosse quase sempre o partido dos amigos do líder da ocasião, que acabava por ser quem "puxava" pelo CDS e, com maior ou menor sorte, lhe dava força eleitoral - desde os tempos do "taxi" a bancadas mais fartas. Eram também esses chefes quem determinava a linha ideológica, por isso muitas vezes errática, num moldável "template" conservador - foi anti-europeísta e soberanista para mais tarde desembocar num quase-federalismo europeu, chegou a ser liberal para depois se refugiar em opções que relevam de um "gaullisme" à moda do Caldas, com toques de "poujadisme". Mais recentemente, o CDS tinha procurado fixar o seu nicho social e político na agenda da senioridade, assim fazendo uma evocação subliminar das suas origens demo-cristãs. Foi, aliás, a contradição entre essa agenda e o facto dos reformados serem hoje o trágico "target" da poupança orçamental que muito ajudou às crises na coligação. Este meu texto, embora isso possa não ter sido evidente até agora, tem apenas um propósito: notar que, como resultado do estranho braço de ferro programático que, nos últimos tempos, teve com o PSD, o CDS como que mudou de natureza. Ao que se sabe, há semanas, quando o seu líder regressou ao partido para justificar a inopinada decisão de se demitir do governo, ter-se-á confrontado com uma formação política diferente, provavelmente um tanto inesperada para ele (embora eu ache que o dr. Paulo Portas raramente é surpreendido). O CDS, que fora reconduzido ao poder pela sua mão e pelo seu brilho, tinha-se entretanto acomodado a esse mesmo poder, pelo que já não era uma mera correia de transmissão da sua vontade pessoal. O "novo" CDS era agora um grupo de pessoas que partilhavam interesses muito concretos, alimentados por uma ocupação do espaço político e administrativo a que tinham tido acesso pelo facto de pertencerem à maioria no poder ou que tinham ganho, para a proteção das suas finalidades pessoais ou de grupo, uma capacidade de influência de que não estavam dispostos a prescindir. O CDS era, finalmente, um partido e, para afirmar isso, mandava para o governo alguém como o dr. Pires de Lima, diretamente da área da economia "a sério". Gente que, nestas condições, disse que não ao amuo do líder e o forçou a tentar garantir, se possível em condições mais vantajosas, uma nova partilha do poder governativo. O líder, por eles assim pressionado e com uma genialidade política que se destaca nesta "terra de cegos", foi mesmo capaz de ter ganho algum "share" na grelha executiva, perante um PSD em pânico de perder o acesso ao "pote", para utilizar uma já consagrada expressão. Uma coisa o líder do CDS terá percebido bem nesses dias. No CDS, o tempo do "partido do chefe" acabou, em definitivo. Nasceu "um partido", um coletivo de interesses, de ocupação de lugares e de participação ativa na propositura de políticas e na partilha de prebendas, benesses e lugares. Um dia, se o ciclotimismo do dr. Paulo Portas o levar a uma nova precipitação, ao olhar para trás encontrará pouca gente a segui-lo. Esta, porém, é a sua grande vitória: ter finalmente criado um verdadeiro partido. Mas essa é também a sua grande derrota: o CDS já existe para além dele e, numa crise, pode muito bem vir a dispensá-lo. |
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