Os swaps especulativos são legais? Jurista compara contratos a apostas, devendo ser nulos quando está em causa a mera especulação
Não é preciso ser um observador atento para perceber que os swaps são mais um subproduto daquilo a que alguns chamam a “economia de casino” dos mercados. Para o jurista José Lebre de Freitas, o que está em causa quando estes contratos são apenas especulativos é precisamente isso. “Quando meramente especulativo, por visar cobrir o risco para uma das partes da subida das taxas de juro cobradas por determinada operação económica ou financeira (...), o contrato de swap de taxa de juro subsume-se no conceito de jogo ou aposta”, escreve num artigo para a revista da Ordem dos Advogados. O jurista defende que será nulo um contrato de swap de taxa de juro que “não tenha subjacente qualquer operação real, constituindo mera especulação para ambas as partes”. A expressão foi usada para qualificar os swaps mais lesivos que, ainda antes de se começar a medir a evolução do activo subjacente (o juro ou outro), já tinham valor de mercado negativo.
Mas mesmo que sejam válidos, a análise aos contratos feitos pelos bancos antes da crise financeira permite concluir que as duas partes esperavam que as taxas Euribor se mantivessem no intervalo dos 15 anos anteriores. Por isso, a “queda vertiginosa” de 2009 constitui “uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias que constituíram a base negocial, profundamente injusta para o cliente da instituição financeira e contrária à boa-fé (...). Haveria, pois, fundamento para a resolução do contrato, se este fosse válido (fonte de obrigações civis) ou apenas ilícito (fonte de obrigações naturais)”, conclui Lebre de Freitas.
Também o consultor jurídico do Estado defende que há argumentos para pedir na justiça a anulação dos contratos – outra razão seria a falta de visto prévio do Tribunal de Contas –, mas o governo quis evitar esse risco em vésperas de regresso ao país aos mercados e, com uma excepção, preferiu negociar.
Quando nascem os contratos swap nas empresas públicas?
A partir de 2006, as manchetes dos jornais alertavam para a subida das taxas de juro que ia fazer subir a prestação do crédito à habitação, mas também de outros créditos. As empresas públicas mais endividadas, dos transportes, aceleram a contratação de instrumentos de gestão de risco (já havia contratos desde 2003) para as proteger da subida dos juros que todos previam à data. Mas nem todos os contratos se limitam a cobrir o risco. Hoje sabe-se que o governo, por recomendação do IGCP, recusou swaps que visavam baixar o défice no imediato porque trariam custos a prazo mais altos. Mas esse conselho não serviu para as empresas públicas porque estas, à data, estavam fora das contas
Quem comprou e quem vendeu?
As empresas públicas com maior endividamento, sobretudo do sector dos transportes. Há, contudo, uma exposição anormal a swaps e perdas potenciais em duas empresas. Metro de Lisboa e Metro do Porto concentram mais de dois mil milhões de perdas potenciais. Do outro lado estão sobretudo bancos internacionais, muitos de investimento, mas há um que se destaca. O Santander tem muitos contratos de risco mais alto (conhecidos como “snowball”) onde se concentram 40% das perdas potenciais.
Porque se demorou tanto tempo a detectar o problema?
Em Setembro de 2008, explode a crise financeira. Os bancos centrais baixam as taxas directoras para reanimar a economia e as taxas de mercado afundam. Neste cenário, até os swaps simples de cobertura de risco de juros trazem perdas, mas podem, em tese, ser renegociados. Mas as contas das empresas ainda não mostravam o buraco potencial, já que só a transição para as normais internacionais de contabilidade obrigou a valorizar os instrumentos e activos no balanço a preços de mercado. Quando, em 2011, o Eurostat obriga o défice a incluir estas empresas (Refer, metros) no défice público, soam os primeiros alarmes sobre este monstro. Portugal já estava a caminho do resgate financeiro.
O que foi feito para resolver o problema?
O cheque da ajuda a Portugal, 78 mil milhões de euros, excluiu as necessidades de financiamento das empresas públicas que deixaram de ter acesso ao mercado. Portugal teve de quantificar todas as responsabilidades potenciais e contingentes do sector empresarial do Estado que fossem ameaça às metas do défice e da dívida. O foco estava então nas parcerias público-privadas (PPP). Os contratos swap são uma parte deste problema, mas a sua dimensão real (então 1650 milhões de euros de perdas potenciais) só foi conhecida em Julho de 2011 no relatório da Direcção-Geral do Tesouro, pedido pela antiga equipa das Finanças (Teixeira dos Santos e Costa Pina), mas que foi entregue à dupla sucessora (Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque). Polémicas à parte sobre o teor das pastas de transição, desde o Verão de 2011 que o governo tem informação sobre o buraco potencial. Mas faltava saber muito mais.
Porquê só agir no final de 2012?
É uma das respostas que falta. O governo diz que foi necessário recolher muita informação sobre os contratos e esperar pela mudança dos estatutos do IGCP para que a agência da dívida pudesse negociar com a banca. Em Outubro de 2012, o IGCP contrata a consultora Stormharbour num ajuste directo de meio milhão de euros. Lá trabalha Paulo Grey, ex-quadro de um banco que vendeu swaps (o Citigroup). Em Novembro começam as negociações com a banca, quando as perdas potenciais eram mais elevadas. Alguns defendem que se devia ter esperado pela recuperação do valor de mercado. O governo diz que foi a ameaça de cancelamento antecipado de vários bancos, prevista nos contratos caso o rating da República ou das empresas baixasse, que obrigou a agir. Mas esta ameaça não é nova. O IGCP defende a via negocial, por oposição à judicial, para não hostilizar os bancos que apoiam o regresso de Portugal aos mercados. Entre esses bancos estão vários vendedores de swaps.
Todos os swaps são maus?
Contratar instrumentos de gestão de risco de taxa de juro é uma prática prudente em empresas expostas ao risco financeiro. Mesmo quando têm perdas potenciais devido à evolução dos juros em mercado, os swaps simples (“vanilla”) não foram classificados problemáticos. O problema está nos swaps complexos ou estruturados. O seu preço de mercado e o juro a pagar estão indexados a variáveis exóticas (que nada têm a ver com juros), com prazos longos, e cuja dinâmica escapa ao controlo por causa do efeito em cadeia (“snowball” – o último cupão define o preço do seguinte). Pode nem haver limite para o cupão a pagar pelas empresas. Alguns destes swaps geraram ganhos para os clientes, as empresas, nos anos iniciais (e foram elogiados), mas fizeram disparar os custos da dívida no médio e longo prazo, tais como os que o Barclays e o Citigroup tentaram vender a Portugal em 2005.
As perdas potenciais são reais?
As perdas potenciais associadas aos swaps medem-se pelo valor negativo a preços de mercado, num determinado momento, dos swaps contratados. Em Julho de 2011 eram 1650 milhões de euros. No final de 2012, o valor quase tinha duplicado, para três mil milhões de euros, em grande medida devido à descida dos juros. As empresas são obrigadas a reconhecer estas perdas potenciais nas contas, mas o saldo final só pode ser fechado quando o swap chega ao fim ou é cancelado antecipadamente. Aí, as perdas (ou ganhos) passam a reais. Mas a factura das empresas também se mede pelos custos resultantes dos juros mais altos que pagam em relação ao valor de mercado, que chegam em alguns casos a 14%.
A negociação com a banca foi positiva?
O governo diz que sim. Foram renegociados 69 contratos swap com nove bancos, reduzindo as perdas potenciais em 500 milhões de euros, valor do “perdão” que os bancos concederam face a perdas potenciais de 1527 milhões. A operação foi neutra para o OE porque o prejuízo dos contratos fechados pelas empresas que contam para o défice (839 milhões) foi anulado pelos ganhos dos swaps do IGCP. O governo fala ainda numa poupança de 110 milhões em juros. A oposição desconfia.A ministra já admitiu que há um saldo negativo de 169 milhões, mas em empresas fora do défice público.
O problema ficou resolvido?
Não. Na verdade, a parte mais bicuda do problema está por resolver. Ainda há perdas potenciais de 1500 milhões de euros. Para além dos bancos com quem ainda não houve acordo, e cujos swaps mereceram do IGCP recomendação de anular, há o caso mais bicudo do Santander. Pela análise do IGCP, é o banco com mais contratos problemáticos, pela complexidade da estrutura dos swaps e pelas perdas associadas. É o único caso em que o governo assume ir para tribunal para tentar anular contratos. O processo já está no Ministério Público, mas a via negocial ainda não se fechou.
Quem já foi apanhado na teia dos swaps?
A bomba swap parecia ser uma nova ameaça ao ex-governo de Sócrates, já que a maioria dos contratos foram feitos nesses anos. Mas as primeiras vítimas foram dois secretários de Estado, ex-gestores de empresas que contrataram swaps (Juvenal Peneda e Braga Lino). Em Maio caem três gestores pela mesma razão: Silva Rodrigues (Metro Carris), Paulo Magina (agência de compras) e Vale Teixeira (EGREP). O inquérito chega ao parlamento por iniciativa da maioria, mas é Maria Luís que se torna o alvo a abater. Primeiro, porque sobrevive como secretária de Estado, apesar de ter feito swaps na Refer. Depois, porque diz nada ter recebido do anterior governo, no que é desmentida por testemunhos e documentos. E ainda porque sobe a ministra e escolhe como sucessor no Tesouro um ex-quadro de um banco que tentou vender tóxicos a Portugal – que, entretanto, se demitiu. Mas, se a responsabilidade política está a ser apurada, nada se sabe para já sobre a eventual responsabilização financeira (dos gestores) e criminal.
Por Ana Suspiro
Mas mesmo que sejam válidos, a análise aos contratos feitos pelos bancos antes da crise financeira permite concluir que as duas partes esperavam que as taxas Euribor se mantivessem no intervalo dos 15 anos anteriores. Por isso, a “queda vertiginosa” de 2009 constitui “uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias que constituíram a base negocial, profundamente injusta para o cliente da instituição financeira e contrária à boa-fé (...). Haveria, pois, fundamento para a resolução do contrato, se este fosse válido (fonte de obrigações civis) ou apenas ilícito (fonte de obrigações naturais)”, conclui Lebre de Freitas.
Também o consultor jurídico do Estado defende que há argumentos para pedir na justiça a anulação dos contratos – outra razão seria a falta de visto prévio do Tribunal de Contas –, mas o governo quis evitar esse risco em vésperas de regresso ao país aos mercados e, com uma excepção, preferiu negociar.
Quando nascem os contratos swap nas empresas públicas?
A partir de 2006, as manchetes dos jornais alertavam para a subida das taxas de juro que ia fazer subir a prestação do crédito à habitação, mas também de outros créditos. As empresas públicas mais endividadas, dos transportes, aceleram a contratação de instrumentos de gestão de risco (já havia contratos desde 2003) para as proteger da subida dos juros que todos previam à data. Mas nem todos os contratos se limitam a cobrir o risco. Hoje sabe-se que o governo, por recomendação do IGCP, recusou swaps que visavam baixar o défice no imediato porque trariam custos a prazo mais altos. Mas esse conselho não serviu para as empresas públicas porque estas, à data, estavam fora das contas
Quem comprou e quem vendeu?
As empresas públicas com maior endividamento, sobretudo do sector dos transportes. Há, contudo, uma exposição anormal a swaps e perdas potenciais em duas empresas. Metro de Lisboa e Metro do Porto concentram mais de dois mil milhões de perdas potenciais. Do outro lado estão sobretudo bancos internacionais, muitos de investimento, mas há um que se destaca. O Santander tem muitos contratos de risco mais alto (conhecidos como “snowball”) onde se concentram 40% das perdas potenciais.
Porque se demorou tanto tempo a detectar o problema?
Em Setembro de 2008, explode a crise financeira. Os bancos centrais baixam as taxas directoras para reanimar a economia e as taxas de mercado afundam. Neste cenário, até os swaps simples de cobertura de risco de juros trazem perdas, mas podem, em tese, ser renegociados. Mas as contas das empresas ainda não mostravam o buraco potencial, já que só a transição para as normais internacionais de contabilidade obrigou a valorizar os instrumentos e activos no balanço a preços de mercado. Quando, em 2011, o Eurostat obriga o défice a incluir estas empresas (Refer, metros) no défice público, soam os primeiros alarmes sobre este monstro. Portugal já estava a caminho do resgate financeiro.
O que foi feito para resolver o problema?
O cheque da ajuda a Portugal, 78 mil milhões de euros, excluiu as necessidades de financiamento das empresas públicas que deixaram de ter acesso ao mercado. Portugal teve de quantificar todas as responsabilidades potenciais e contingentes do sector empresarial do Estado que fossem ameaça às metas do défice e da dívida. O foco estava então nas parcerias público-privadas (PPP). Os contratos swap são uma parte deste problema, mas a sua dimensão real (então 1650 milhões de euros de perdas potenciais) só foi conhecida em Julho de 2011 no relatório da Direcção-Geral do Tesouro, pedido pela antiga equipa das Finanças (Teixeira dos Santos e Costa Pina), mas que foi entregue à dupla sucessora (Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque). Polémicas à parte sobre o teor das pastas de transição, desde o Verão de 2011 que o governo tem informação sobre o buraco potencial. Mas faltava saber muito mais.
Porquê só agir no final de 2012?
É uma das respostas que falta. O governo diz que foi necessário recolher muita informação sobre os contratos e esperar pela mudança dos estatutos do IGCP para que a agência da dívida pudesse negociar com a banca. Em Outubro de 2012, o IGCP contrata a consultora Stormharbour num ajuste directo de meio milhão de euros. Lá trabalha Paulo Grey, ex-quadro de um banco que vendeu swaps (o Citigroup). Em Novembro começam as negociações com a banca, quando as perdas potenciais eram mais elevadas. Alguns defendem que se devia ter esperado pela recuperação do valor de mercado. O governo diz que foi a ameaça de cancelamento antecipado de vários bancos, prevista nos contratos caso o rating da República ou das empresas baixasse, que obrigou a agir. Mas esta ameaça não é nova. O IGCP defende a via negocial, por oposição à judicial, para não hostilizar os bancos que apoiam o regresso de Portugal aos mercados. Entre esses bancos estão vários vendedores de swaps.
Todos os swaps são maus?
Contratar instrumentos de gestão de risco de taxa de juro é uma prática prudente em empresas expostas ao risco financeiro. Mesmo quando têm perdas potenciais devido à evolução dos juros em mercado, os swaps simples (“vanilla”) não foram classificados problemáticos. O problema está nos swaps complexos ou estruturados. O seu preço de mercado e o juro a pagar estão indexados a variáveis exóticas (que nada têm a ver com juros), com prazos longos, e cuja dinâmica escapa ao controlo por causa do efeito em cadeia (“snowball” – o último cupão define o preço do seguinte). Pode nem haver limite para o cupão a pagar pelas empresas. Alguns destes swaps geraram ganhos para os clientes, as empresas, nos anos iniciais (e foram elogiados), mas fizeram disparar os custos da dívida no médio e longo prazo, tais como os que o Barclays e o Citigroup tentaram vender a Portugal em 2005.
As perdas potenciais são reais?
As perdas potenciais associadas aos swaps medem-se pelo valor negativo a preços de mercado, num determinado momento, dos swaps contratados. Em Julho de 2011 eram 1650 milhões de euros. No final de 2012, o valor quase tinha duplicado, para três mil milhões de euros, em grande medida devido à descida dos juros. As empresas são obrigadas a reconhecer estas perdas potenciais nas contas, mas o saldo final só pode ser fechado quando o swap chega ao fim ou é cancelado antecipadamente. Aí, as perdas (ou ganhos) passam a reais. Mas a factura das empresas também se mede pelos custos resultantes dos juros mais altos que pagam em relação ao valor de mercado, que chegam em alguns casos a 14%.
A negociação com a banca foi positiva?
O governo diz que sim. Foram renegociados 69 contratos swap com nove bancos, reduzindo as perdas potenciais em 500 milhões de euros, valor do “perdão” que os bancos concederam face a perdas potenciais de 1527 milhões. A operação foi neutra para o OE porque o prejuízo dos contratos fechados pelas empresas que contam para o défice (839 milhões) foi anulado pelos ganhos dos swaps do IGCP. O governo fala ainda numa poupança de 110 milhões em juros. A oposição desconfia.A ministra já admitiu que há um saldo negativo de 169 milhões, mas em empresas fora do défice público.
O problema ficou resolvido?
Não. Na verdade, a parte mais bicuda do problema está por resolver. Ainda há perdas potenciais de 1500 milhões de euros. Para além dos bancos com quem ainda não houve acordo, e cujos swaps mereceram do IGCP recomendação de anular, há o caso mais bicudo do Santander. Pela análise do IGCP, é o banco com mais contratos problemáticos, pela complexidade da estrutura dos swaps e pelas perdas associadas. É o único caso em que o governo assume ir para tribunal para tentar anular contratos. O processo já está no Ministério Público, mas a via negocial ainda não se fechou.
Quem já foi apanhado na teia dos swaps?
A bomba swap parecia ser uma nova ameaça ao ex-governo de Sócrates, já que a maioria dos contratos foram feitos nesses anos. Mas as primeiras vítimas foram dois secretários de Estado, ex-gestores de empresas que contrataram swaps (Juvenal Peneda e Braga Lino). Em Maio caem três gestores pela mesma razão: Silva Rodrigues (Metro Carris), Paulo Magina (agência de compras) e Vale Teixeira (EGREP). O inquérito chega ao parlamento por iniciativa da maioria, mas é Maria Luís que se torna o alvo a abater. Primeiro, porque sobrevive como secretária de Estado, apesar de ter feito swaps na Refer. Depois, porque diz nada ter recebido do anterior governo, no que é desmentida por testemunhos e documentos. E ainda porque sobe a ministra e escolhe como sucessor no Tesouro um ex-quadro de um banco que tentou vender tóxicos a Portugal – que, entretanto, se demitiu. Mas, se a responsabilidade política está a ser apurada, nada se sabe para já sobre a eventual responsabilização financeira (dos gestores) e criminal.
Por Ana Suspiro
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