quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Timor Leste - a infância

Francisco Seixas da Costa

 

 

Ontem, ao ver o primeiro-ministro Xanana Gusmão numa cerimónia de homenagem a antigos combatentes pela independência de Timor-Leste, recordei um episódio divertido, aquando de uma sua visita privada a Nova Iorque, nos primeiros meses de 2001.

 

Xanana era um homem livre e, por essa época, fazia declarações segundo as quais não desejava ocupar qualquer lugar de Estado, no novo Timor-Leste, que dentro de um ano seria um país independente e pelo qual tanto tinha lutado. Andava feliz, com a sua mulher e um filho de escassos meses.

 

Eu era então o representante diplomático português junto das Nações Unidas. Convidei Xanana para almoçar, não só para lhe manifestar a imensa simpatia e admiração que tinha (e tenho) por ele, como grande figura humana e política, mas igualmente porque estava encarregado de o tentar convencer de que a responsabilidade que tinha para com o seu país não acabara ainda e que era importante que aceitasse a ideia de vir a liderar o novo Estado, candidatando-se às eleições presidenciais. Era essa a perspetiva prevalecente em Lisboa e, a mim, como representante diplomático junto das Nações Unidas, fora-me pedido que somasse a minha voz à de quantos assim pensavam, um pouco por todo o mundo.

 

O almoço iria ter lugar num restaurante, perto da nossa missão junto da ONU. Porque queria falar um pouco a sós com Xanana e com a sua mulher, pedi-lhe que viessem ter ao meu gabinete. As restantes pessoas que eu também tinha convidado para esse almoço com Xanana, entre os quais estava o jornalista do "Expresso" Tony Jenkins, que iria fazer depois um belo texto sobre a conversa à refeição, chegariam meia-hora mais tarde.

 

Expuz a Xanana as razões que víamos como óbvias para a necessidade do seu compromisso com a vida política timorense. Revelei-lhe que, em Portugal, governo e presidente da República coincidiam nesta mesma leitura. Ele mostrava-se ainda muito relutante à ideia da candidatura, com a sua mulher numa atitude que me recordo ser então de apoio às reticências do marido. Argumentava que era mais importante ficar na sociedade civil, ao lado dos seus antigos companheiros de armas, os mesmo que ontem foram homenageados. Ficou-me a convicção de que, à época, era bem genuína essa sua atitude de recusa do regresso à política.

A certa altura, tive de sair, momentaneamente, do gabinete. Quando regressei, encontrei a seguinte cena: a pequena mesa de acrílico que existia entre os sofás tinha-se transformado no lugar de mudança das fraldas do filho de Xanana, o qual observava, divertido e encantado, a operação a que a sua mulher se dedicava.

"Não há problema, pois não?", perguntou-me Xanana, como aquele sorriso são e simples que o carateriza. Claro que não havia. Ou melhor, tavez passasse a haver. É que, concluída a operação, ficou a pairar no meu gabinete um odor bastante forte e difícil de afastar, num edifício onde as janelas não abrem e o ar condicionado é o único meio de circulação de ar.

 

Tudo estaria bem e se atenuaria com o tempo se, neste entretanto, não tivessem entrado pelo gabinete dentro, trazidos pela minha secretária, os restantes convidados para o almoço. Pelas suas caras, logo depreendi que ficaram com as narinas alerta para aquele peculiar e inconfundível odor, sobre cuja explicação decidi não elaborar. Procurei fazer sair toda a gente, com rapidez, para o restaurante, mas imagino que alguns devam, até hoje, estar intrigados por que diabo o gabinete do embaixador português na ONU cheirava daquela maneira...


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