Francisco Seixas da Costa
Conheço e sou amigo de Miguel Angel Martinez há bastantes anos. Miguel Angel é um homem de causas, que não esconde as suas emoções, fazendo parte daquela espécie de pessoas que não usa "langue de bois" e diz abertamente o que pensa. Político espanhol com grande experiência europeia, é um dos mais antigos deputados europeus de Espanha, tendo já chefiado o Comité Executivo que orienta o Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, que atualmente dirijo. Grande apoiante do Centro, participou comigo, na passada sexta-feira, em Estrasburgo, num grupo de trabalho, criado pelo Comité de Ministros, que debate o futuro daquela estrutura. Em 2000, o então meu colega de governo, Luís Amado, à época secretário de Estado dos negócios estrangeiros e cooperação, fez uma intervenção num comité do Parlamento europeu, a propósito da sensível questão da organização da cimeira entre a União Europeia e a África. (Em 2000 e, mais tarde, em 2007, Portugal organizou cimeiras UE-África, durante as suas presidências da União Europeia. Na primeira dessas realizações, defrontámo-nos com um sério problema. A maioria dos países africanos pretendia que, do seu lado, a representação fosse assumida pela então Organização de Unidade Africana (OUA) – hoje União Africana. Se tal acontecesse, Marrocos, que por virtude do conflito no Saara ocidental não pertencia à organização, não poderia participar. E, para nós, isso era impensável. Foi uma longa batalha, que, contudo, e "to make a long story short", terminou com a presença de Marrocos na cimeira.) Na ocasião, as declarações de Luís Amado e a postura portuguesa mereceram um comentário muito elogioso de Miguel Angel Martinez. Para nossa grande surpresa, um jornalista português fez um "take" para a Lusa em que, totalmente à revelia dos factos, Martinez era citado como tendo criticado Amado. O deputado espanhol fez, de imediato, um desmentido escrito. Num dos dias seguintes ao incidente, estive no edifício do Parlamento europeu, em Bruxelas, para uma apresentação do programa da presidência portuguesa. No final, no corredor, chamei os jornalistas portugueses presentes e disse-lhes: "Não sei se leram este "take" da Lusa, onde se diz que Miguel Angel Martinez criticou o secretário de Estado Luís Amado". E distribuí cópia da notícia. De seguida, estendi-lhes um outro papel: "Agora, têm aqui um texto distribuído pelo deputado, em que desmente formalmente a notícia, explicando que disse precisamente o contrário". O grupo de jornalistas não percebia o que eu pretendia com o meu gesto, mas ficou a saber isso de seguida: "Talvez o vosso colega que escreveu a notícia falsa (e apontei para ele) já tenha feito a sua retratação pela mentira que publicou. Pode distribuir-nos uma cópia?". O visado ficou "branco como a cal". E o restante grupo de jornalistas portugueses ficou surpreendido pela violência do meu comentário. Virei as costas e fui para o hotel. À noite, dois dos mais credenciados profissionais portugueses em Bruxelas, Fernando de Sousa e José Rui Cunha, fizeram-me chegar o seu desagrado pela minha atitude, lamentando a "humilhação pública" que eu tinha provocado ao colega, que era desculpado pela sua inexperiência. O assunto acabaria de morrer com o tempo, mas estou certo que quem assistiu à cena a não esqueceu. E, diga-se, até hoje nunca encontrei razões para me arrepender daquele meu gesto. Lembrei-me desta historieta na sexta-feira, ao dar um abraço ao meu querido amigo Miguel Angel Martinez, que há muito não via. |
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