Francisco Seixas da Costa
Foi no aeroporto de Orly, no final dos anos 80. Aquela delegação portuguesa, chefiada por um secretário de Estado, chegara a Paris vinda de Tunis, após uma visita de trabalho de três dias. Estava em trânsito no "salão 500", a sala VIP daquele aeroporto parisiense. Faltava ainda bastante tempo para o voo de ligação a Lisboa, pelo que dois dos diplomatas que acompanhavam o político decidiram dar um salto à zona do "free shop". Um deles entrou numa livraria e comprou dois ou três livros. O outro, numa loja ao lado, estava concentrado nos filmes à venda. O primeiro dos diplomatas, já com o saco do livros que comprara na mão, chamou então a atenção do segundo para as "promoções" que embarateciam fortemente, naquela loja, algumas "cassettes" de filmes. E indo ao encontro de uma conhecida propensão do colega, tido nos corredores das Necessidades por um dos mais persistentes "engatatões" da casa (o que, aliás, faz com que toda a "carreira" ainda hoje o trate por um nome muito "específico"), alertou-o, num conselho cordial: - Não sei se já deste conta que estão aí à venda alguns dos grandes "clássicos" do cinema erótico, a preços fantásticos. Tens a oportunidade, por tuta e meia, de comprar obras hoje quase "históricas". Com uma visível e detalhada erudição na matéria, foi-lhe dando referências, assinalando autores e vedetas consagradas, nos variados níveis de "exigência" em que o género se organiza e qualifica. O colega mostrava-se crescentemente tentado, mas hesitou por alguns instantes, talvez receoso em chegar a casa, em Lisboa, carregado com toda aquela "produção". A curiosidade e os preços tiveram o condão de convencê-lo. E lá acabou por comprar três ou quatro dessas tão apelativas"cassettes". Regressaram ambos à sala VIP. O secretário de Estado mantinha-se à conversa com a restante delegação. Ao vê-los entrar, inquiriu: - Então, fizeram muitas compras? O diplomata "livresco" abriu de imediato o seu saco e mostrou os volumes que adquirira. Os olhos da sala voltaram-se então para o outro colega, que, com estranho afã, tentava, num canto da sala, meter numa saca de couro o produto das suas aquisições. - Ó homem! Mostre lá o que comprou!, disse o secretário de Estado. Já corado, com um sorriso amarelo, o diplomata resistia, sob pressão da curiosidade coletiva, cada vez mais atiçada pela sua visível atrapalhação. Diga-se que a delegação era constituída só por homens, a que se somava o embaixador em Paris. O governante era dos mais insistentes, desconfiado que havia ali algo escondido. Ao fim de alguns minutos, algo "encavacado", o diplomata lá se dispôs, com alguma relutância, a exibir as "peças" adquiridas. Talvez a ideia de que isso acabaria por lhe ilustrar o seu conhecido e nunca negado "curriculum" tivesse atenuado a sua retração. É claro que a saída dos filmes da saca provocou, como seria de esperar, uma galhofa geral, com ele a cuidar explicar, metendo os pés pelas mãos, que, na verdade, fora o outro colega quem o induzira à aquisição. Este último sorria, deliciado com o espetáculo e com um gozo agora legitimado pela fraqueza psicológica do outro. Ontem, ao final da tarde, num aeroporto francês, numa escala entre dois voos, precisamente entre Tunis e Lisboa, lembrei-me do episódio. Não consigo é recordar o nome dos seus protagonistas. |
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