O presidente de Timor-Leste, José Ramos Horta, que se candidatava a um novo mandato, foi ontem eliminado, pelo voto popular, da segunda volta das eleições.
Conheci Ramos Horta em 1991, em Londres, apresentado (por quem havia de ser?) por Ana Gomes, desde sempre a "alma" da mobilização diplomática portuguesa em favor da autodeterminação timorense. José Ramos Horta era então o infatigável promotor internacional da causa timorense, tecendo uma importante rede de contactos - junto de diplomatas, de políticos, da imprensa e das ONG's - que foi essencial para manter acesa a chama da luta contra a Indonésia. Jovem ministro dos Negócios Estrangeiros do governo auto-proclamado pela Fretilin, em 1975, exilou-se desde então, voltando a assumir esse cargo no novo governo criado em 2002, sendo, tempos mais parte, nomeado primeiro-ministro e, depois, eleito presidente da nova República.
Já aqui contei como, em 1999, com o bispo Ximenes Belo e com José Ramos-Horta, conseguimos ajudar à condenação da Indonésia na Comissão dos Direitos Humanos, em Genebra, depois dos trágicos acontecimentos posteriores ao referendo em Timor-Leste e já depois do comité Nobel lhe ter atribuído, em Oslo, o prémio Nobel da paz. E também como, meses depois, fui testemunha, em Nova Iorque, do trabalho diplomático de Jorge Sampaio e de Ramos Horta, com vista a consolidar a mudança de atitude da administração Clinton face ao processo timorense, num almoço com Richard Holbrooke.
Tempos mais tarde, quando representei Portugal nas Nações Unidas, tive ocasião de, por várias vezes, falar com José Ramos Horta em Nova Iorque, com ele articulando, em estreita ligação com Sérgio Vieira de Melo, algumas iniciativas no âmbito da ONU, em especial com vista a manter a atenção da comunidade internacional para a necessidade de preservar a sua presença militar, num Timor-Leste ainda tocado por sérias ameaças à sua segurança. Voltei depois a encontrá-lo em Brasília, em 2008, num simpático almoço, a convite do presidente Lula, já na sua qualidade de presidente timorense.
José Ramos Horta é uma personalidade cuja ação não deixou de ser objeto de alguma controvérsia. Ao longo do complexo processo de luta internacional pela libertação de Timor, nem sempre as nossas posições táticas nacionais coincidiram, em absoluto, com as suas, não obstante o objetivo final da nossa comum atividade ter permanecido precisamente o mesmo. Parte dos seus amigos ficou também muito desapontada com o apoio público que, em 2003, concedeu à invasão angolo-americana do Iraque.
Mas, tudo somado, quero dizer que sempre tive uma grande admiração pela figura de José Ramos Horta, pelo seu perfil de patriota e pela coerência que, ao longo de décadas, sempre demonstrou, na perseverança numa luta que, desde muito cedo, empreendeu. A independência de Timor deve-lhe imenso e a diplomacia portuguesa é disso uma das melhores testemunhas. A sua serena saída de cena, no auge deste novo processo eleitoral, expressa a maturidade do processo democrático pelo qual Ramos Horta sempre lutou.
Aqui deixo um abraço amigo a José Ramos Horta.
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