Na Catalunha, há vários anos que os jornalistas usam coletes e braçadeiras distintivas em situações ditas "de conflito". É o caso das manifestações. Na de ontem, em Barcelona, havia dezenas de coletes laranja no meio da multidão e atrás das linhas policiais, e é algo que nenhum dos repórteres que abordei põe em causa: "Estamos aqui a trabalhar, não para apanhar." Os coletes, aliás, surgiram porque os jornalistas não raro apanhavam e, como me disse um fotógrafo, "os Mossos de Esquadra quando batem, batem a valer". O argumento de que assim os jornalistas se estão a colocar num plano diferente do das demais pessoas, arrogando-se uma proteção especial, não cala, parece, entre os profissionais catalães; aliás, o uso deste tipo de identificação foi solicitado pelo Colégio de Periodistas da Catalunha. E diz-se solicitado porque os coletes têm de ser numerados e intransmissíveis, custam dinheiro e são como que "alugados", tendo de ser requisitados de novo de dois em dois anos. Ou seja: são um controlo do Estado, através do ministério que tutela as polícias. Poder-se-á dizer que também a carteira de jornalista é, em Portugal, uma forma de controlo estatal dos jornalistas, já que a entidade que a concede (mediante pagamento, de resto) é criada pelo Estado; e que se trata igualmente de uma forma de distinção em relação aos demais cidadãos. Mas não só se dá o caso de mesmo com colete e braçadeiras os repórteres catalães continuarem a levar encontrões da polícia (facto denunciado há um ano pelo Colégio, aquando do movimento 15 de Maio) como o que está em causa na proposta feita pela PSP na sequência dos inaceitáveis incidentes do Chiado é uma espécie de "carta branca para agredir", como se só admitisse errar quando bate em jornalistas (só porque sobre eles não pode inventar histórias de provocações e agressões). Estando-se a falar de polícias e não de feras, de gente supostamente submetida a treino, a educação legal e a uma cadeia de comando e não de delinquentes primários, o argumento de que bateram nos jornalistas porque estes não estavam identificados é infame. E é-o porque implica que bater em quem nada estava a fazer que justificasse baterem-lhe só é digno de nota por se tratar de repórteres. Talvez seja preciso recordar às polícias e governos portugueses que o uso da força de que detêm o monopólio nos regimes de Direito democrático serve para defender os cidadãos, não para vingar a honra dos agentes ou afirmar essa coisa chamada "autoridade do Estado". por FERNANDA CÃNCIO.DN
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