José Saramago afirmou hoje, em Penafiel, que o seu novo livro, intitulado “Caim”, não vai escandalizar os católicos, mas admitiu que poderá gerar reacções entre os judeus. “Na Igreja Católica não vai causar problemas porque os católicos não lêem a Bíblia, só a hierarquia, e eles não estão para se incomodar com isso. Admito que o livro possa incomodar os judeus, mas isso pouco me importa”.
Em entrevista à Lusa, por ocasião do lançamento do novo livro, Saramago falou de uma obra em que regressa ao tema religioso, contando, em tom irónico e jocoso, a história de Caim, filho primogénito de Adão e Eva, quase duas décadas após o escândalo provocado pela sua obra “O Evangelho segundo Jesus Cristo” (1991).“Caim interessa-me há muitos muitos anos, é uma coisa que foi crescendo e que, de repente, já não consegui suster, tive que começar a escrever”, disse José Saramago, que elaborou este livro, com 181 páginas, muito rapidamente, em apenas quatro meses.O autor salientou que não é, de forma nenhuma, um autor de livros religiosos, que é uma matéria que só lhe interessa porque está desde sempre muito presente na mente dos homens, e na história da Humanidade.“Para este livro voltei a consultar a Bíblia, mas ela não é de nenhuma forma leitura da minha preferência, é apenas um instrumento necessário para escrever este livro”, frisou.Segundo o Antigo Testamento da Bíblia, Caim terá sido o filho primogénito de Adão e Eva, que matou Abel, seu irmão mais novo, num acesso de ciúmes, após verificar que Deus mostrara preferência por este.“Caim matou o irmão porque não podia matar Deus. É uma história horrível de crime e violência e, mostra um Deus cruel, porque deixa que isso aconteça”, afirma Saramago.O autor escolheu, para contar a história de Caim, que considera uma história de extrema violência e crueldade, um tom irónico, trocista. “Sim, é uma porta aberta para a ironia, há um anjo enviado por Deus com uma missão e que chega atrasado por avaria de uma asa, coisas assim. Cada livro diz ao autor como quer ser escrito, neste caso foi em tom irónico”, disse o Nobel português.A sexualidade está também muito presente no livro. “Isso surpreendeu-me até a mim, porque costumo ser muito discreto nesse particular. Aqui decidi envolver a Lilith, sempre descrita como uma mulher má, numa grande sensualidade”. No Antigo Testamento, Lilith, a primeira mulher de Adão, revoltou-se por ser sempre obrigada a ficar por baixo nas relações sexuais, tendo sido mais tarde acusada de ser a serpente que deu a comer a maçã, o fruto proibido, a Eva.“Podem dizer que há muita violência no livro, mas de facto não precisei de juntar violência nenhuma, basta a que está nos textos bíblicos, que é mais que muita”, disse o autor. O escritor referiu que o problema mais complexo na feitura de “Caim” foi a sua estruturação temporal, uma vez que o ordenamento cronológico não funcionava. Optou, por isso, por uma estrutura não cronológica em que o narrador usa as expressões “tempo passado” e “tempo futuro” para contar, respectivamente, o que aconteceu e o que irá ocorrer. Saramago referiu que já está a trabalhar num novo livro e que, embora tenha apenas algumas dezenas de páginas escritas, já sabe qual será a última frase.Sublinhou, ainda, que os seus livros não têm mensagem. “Não gosto de falar em mensagens, nem quero passar mensagens. A mensagem é tudo aquilo que o leitor possa tirar do livro e isso pode resultar em coisas muito diferentes, de leitor para leitor”. Publico.
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