terça-feira, 25 de agosto de 2009

Tintin no País dos Censores


 
Uma biblioteca de Nova Iorque remeteu o álbum "Tintin no Congo" para uma área que necessita de uma autorização especial para consultas, sujeita a dias de demora. Já há uns tempos, algumas livrarias inglesas haviam decidido colocar tal álbum na área de vendas de adultos. No essencial, o trabalho de Hergé é hoje considerado como tendo conotações racistas. O que é, seguramente, uma verdade.

Toda a gente sabe que Hergé, para além do facto de ser um criador genial, era uma figura hiperconservadora. O seu pensamento era mesmo tributário de ideologias próximas da extrema-direita e a sua memória histórica pagou e paga um preço por isso. Mas não me consta que, em qualquer país livre, o anti-comunismo pré-primário do seu "Tintin no País dos Sovietes", tenha levado alguém a pensar colocá-lo no index, por ofender os sentimentos dos comunistas ou as relações com Moscovo - e aí, com toda a certeza, nunca o álbum esteve à venda...

Este esforço de alguns para nos defenderem de nós próprios, esta desconfiança sobre a nossa capacidade autónoma de julgamento, esta ideia de que não somos capazes de contextualizar ou ajudar a situar historicamente uma obra - tudo isto começa a converter-se numa insuportável tutela de coloração bem pensante, francamente irritante. Os exemplos são cada vez mais, pelo mundo fora, havendo como que uma passiva aceitação, quase sem reacções, deste tipo de atitudes censórias, uma espécie de temor reverencial, de que o banimento de imagens de figuras a fumar é talvez o caso mais paradigmático, como por aqui já referi outras vezes.

Neste contexto, vale a pena deixar uma história que, estou certo, a maioria dos leitores deste blogue desconhece.

Quando o "Tintin na América" começou a ser publicado em Portugal, no saudoso "Cavaleiro Andante", um dos seus primeiros quadros (senão mesmo o primeiro), apresentava a caricatura de um "gangster", de chapéu caído, figura rotunda e ar descarado, com o comentário à margem de que, naqueles tempos, tais personagens se passeavam livremente por Chicago.

Anos mais tarde, ao ler o álbum original, fiquei com a sensação de que havia uma qualquer diferença entre a imagem que eu vira no "Cavaleiro Andante" e a que o álbum completo trazia. E fui verificar: de facto, no álbum original, ao lado do "gangster", aparecia um polícia fardado a fazer-lhe continência.

Ora o Estado Novo - "politicamente correcto" à sua maneira e cioso protector das nossas consciências - não quis deixar admitir que um agente de autoridade pudesse saudar um bandido , pelo que fez "desaparecer" o polícia do desenho.

Cada um tem a sua paranóia. Mas, num mundo em liberdade, isto começa a ser demais!

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