A saga do Estatuto dos Açores começou numa noite de Julho de 2008 e morreu numa tarde de Julho de 2009. Infelizmente passou um ano. Tempo de mais para resolver uma questão simples.
Como é que dois parlamentos conseguem aprovar por unanimidade um diploma que tem 140 artigos e 19 inconstitucionalidades?
Ora aqui está uma pergunta para a qual é difícil encontrar uma resposta aceitável. Ou talvez não, porque a atribulada vida do Estatuto dos Açores é, a par da Lei do Financiamento dos Partidos, o mais acabado exemplo do autismo que, por vezes, se abate sobre os nossos partidos. Sobre todos os partidos.
Se algum cidadão resolver passar um dia a desafiar leis, será seguramente multado, taxado e condenado pelo Estado a variadas coisas. Ora, o que o parlamento açoriano e a Assembleia da República fizeram não anda longe disso: votaram e aplaudiram um texto que era, à luz da Constituição, um monte de ilegalidades. Com a pequena diferença de que nada lhes acontece.
Não está em causa a necessidade de os Açores terem um novo Estatuto. Está em causa que, para cumprir esse objectivo, todos tenham esquecido que existe uma Constituição.
Neste caso ninguém se portou bem:
a) os parlamentos, pelo simples facto de terem votado coisas sem saberem o que estavam a fazer. Se sabiam ainda é pior;
b) os partidos, que foram incapazes de votar contra o Estatuto porque havia eleições nos Açores em 2008 e tinham medo de perder votos;
c) outra vez os partidos, porque tentam sair à pressa de uma fotografia onde estiveram enquanto isso lhes deu jeito;
d) Carlos César, por ter esquecido que a sua vontade política deve ser conforme à lei e por não ter percebido que o Presidente da República tem a obrigação de defender os seus poderes;
e) Cavaco Silva, porque prescindiu de enviar as normas mais graves para o Tribunal Constitucional quando o podia e devia ter feito. Fez bem em defender os seus poderes mas fez muito mal em abdicar de um poder básico: o de pedir a fiscalização preventiva de todas as normas que lhe levantavam dúvida. Quis escrever direito por linhas tortas. E fê-lo, perdendo imenso tempo e abusando da nossa paciência;
f) José Sócrates, que pareceu aceitar a posição do Presidente para depois ceder a Carlos César e acabar enredado em argumentos constitucionais sem qualquer fundamento.
No meio disto tudo, as relações entre o Presidente e o primeiro-ministro degradaram-se de forma visível. Valeu a pena? Claro que não. Depois disto, Cavaco Silva e José Sócrates podem pedir-nos para dar o exemplo? Claro que não.
Ricardo Costa - Expresso.pt
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