terça-feira, 26 de março de 2013

"Estamos todos a evitar anunciar a bancarrota"

“Estamos todos no país a tentar evitar o momento final do anúncio ao mundo da bancarrota e do incumprimento. Não estou a dizer que estamos em cima desse momento, mas, infelizmente, estamos hoje mais perto do que estávamos há dois meses, estamos mais perto do que estávamos há dois anos. E, portanto, é isso que estamos a tentar evitar” afirma o ex-ministro da Economia Daniel Bessa, no Conversas Cruzadas deste domingo, onde desenhou um cenário governativo envolvendo o PSD, CDS e PS.
“O que estou a propor - envolvimento do PS no Governo- parece-me ser um contributo para evitar esse momento de anúncio de bancarrota. Porque há uma coisa que os portugueses têm de saber. É que se esse momento chegar será muito pior do que aquilo que vivemos hoje. Quem vende o incumprimento da dívida como uma salvação está também a vender uma ilusão. Ninguém julgue que Portugal sai incólume e sem uma penalização muito maior do que temos hoje se tiver de chegar ao incumprimento assumido” sustenta Daniel Bessa.
Miguel Cadilhe, ex-ministro das Finanças discorda da avaliação e do cenário proposto pelo presidente da Cotec Portugal: “Não sei se estamos mais perto ou mais longe desse anúncio de bancarrota. É difícil afirmá-lo, estamos ainda naquela corda-bamba” considera Miguel Cadilhe, não antecipando, a curto prazo, o envolvimento socialista na governação.
“O Partido Socialista fez muito por esquecer, por Portugal esquecer, a sua responsabilidade na crise, a sua assinatura no memorando. Espero que Portugal não esqueça. Qualquer que fosse o partido que tivesse responsabilidade na situação a que chegamos eu diria o mesmo. Foi o PS, pois bem, o PS não pode deixar de assumir as suas responsabilidades até ao fim. Um Governo de coligação poderia ter sido tentado antes, agora não me parece viável” defende Miguel Cadilhe.
Daniel Bessa concede que o PS só poderá ter condições para integrar uma solução do tipo bloco central depois de eleições, mas Miguel Cadilhe alerta para os riscos. “Não acho que eleições antecipadas seja um bom caminho, atendendo à situação em que nos encontramos. Situação de finanças públicas e de vigilância externa em que estamos. Seria talvez um acto de pouca responsabilidade que isso acontecesse e seria, talvez, um mau sinal” sublinha o ex-ministro das Finanças.
“Nós precisaríamos de ter – olhando para a primeira metade dos anos 80 – líderes partidários como o PS e o PSD tinham quando se fez o bloco central para Portugal receber o Fundo Monetário Internacional e aplicar o programa. Precisávamos de líderes com essa estatura, mas não é fácil”, diz Cadilhe.
As circunstâncias históricas, recorda, “também ajudavam muito na altura e tínhamos moeda própria, política cambial. Compreendo a ideia do Daniel Bessa, mas não estou a ver que o Partido Socialista queira, tenha vontade e, do ponto de vista estritamente partidário, tenha vantagem em entrar num governo de coligação. Numa perspectiva partidária. A perspectiva nacional é outra. É aquela que move o Daniel Bessa e o Carlos Moreno” defende ainda Miguel Cadilhe.
Já o presidente da Cotec Portugal, Associação Empresarial para a Inovação, identifica o Verão próximo como o prazo de validade do Executivo. “A meio do ano já será muito difícil lidar com uma execução orçamental muito negativa. O que assistimos é que, mais cedo do que eu próprio admitia, há aqui a confissão de uma dificuldade. Portanto, não acho que este Governo vá cair na rua. Vai cair pelo reconhecimento interno, a que não poderá deixar de chegar, da necessidade de ajuda e de que essa ajuda exige outra solução governativa. A ajuda não é nenhum passe de mágica, não vai resolver nenhum problema só por si, mas acho que melhora um pouco as condições do exercício da actividade governativa” conclui Daniel Bessa.
Mais recessão, mais desemprego, maior défice
“Não sou economista, mas os dois motores do crescimento económico são, na minha opinião, as exportações e o consumo interno. É evidente que há um valor estrutural a preservar, o do saldo positivo nas contas com o exterior, mas quando se abandonou, se estiolou completamente o consumo interno, até assustando as pessoas, fazendo uma má gestão das expectativas juntaram-se os factores para um resultado ainda pior” é a análise de Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas às novas previsões oficiais para a economia portuguesa reveladas, na última sexta-feira, pelo ministro Vítor Gaspar.
“O pior lado é a desilusão e a frustração que isto vai provocando nas pessoas. As pessoas, concordando mais ou menos, aceitaram e acreditaram no caminho proposto. Uns mais, outros menos, mas há uma aceitação quase colectiva, porventura triste, como agora se diz a propósito das manifestações, mas as pessoas aceitaram o caminho. O que não conseguem aceitar e com o que não conseguem conviver é com a frustração de verem que o caminho parece não ter fim. E isso eu acho terrível” sustenta, por seu turno, Daniel Bessa.
“Tudo isto nos faz pensar que temos as coisas muito esticadas do ponto de vista social, do ponto de vista do equilíbrio, da paz social. A troika, o Governo português têm de pensar que se perdem o controlo da economia a consequência é uma. Se perdem o controlo social, a consequência pode ser outra, bastante mais difícil de segurar” alerta Miguel Cadilhe.
“O argumento sucessivamente passado para a opinião pública de que os nossos credores nos impõem e nada podemos fazer é um argumento que tem pouca força de convicção.
Vemos os técnicos em Lisboa a impor uma coisa e os líderes das instituições como Durão Barroso e Christine Lagarde a dizerem outra. Portanto, não podemos passar a vida nesta panaceia de que os credores que vêm a Lisboa nos estão a impor e que não temos outro remédio, porque se os que estão aqui nos impõem, então vamos nós lá aos outros obrigá-los a dizer que também nos impõem, porque a Europa tem aqui alguma responsabilidade” defende o Juiz Carlos Moreno, antigo professor de Finanças Públicas.
Recomposição da política fiscal
Nesta emissão do Conversas Cruzadas, Miguel Cadilhe defendeu uma atenção especial às PME’s com mexidas na política fiscal tendentes a atrair investimento. “A recomposição da política fiscal é uma arte nobre da política. A recomposição é puxar mais por este imposto e descer aquele. Há aqui um balanceamento” esclarece o ex-ministro das Finanças que defende a baixa do IRC.
“Uma outra medida de que se fala há muito tempo e que eu, aliás, introduzi em 1986 é a dedução de lucros retidos e reinvestidos nas empresas ou então o crédito fiscal para investimento. Em 1986 nós tínhamos saído do segundo programa do FMI que esteve até 85. Em 86 eu fiz tudo para introduzir uma política de incentivo ao investimento. E decidi ao mesmo tempo a DLRR – dedução de lucros retidos e reinvestidos – e o crédito fiscal por investimento. As duas medidas acumulavam-se. Uma empresa podia beneficiar das duas medidas em simultâneo. Só retiramos as medidas quando o crescimento económico em Portugal aqueceu bastante e portanto o investimento já não precisava de mais incentivo. Quando veio o IRC em 89 estas medidas já estavam retiradas” conclui Miguel Cadilhe. Renascença

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