Trabalhar para o Estado é melhor que trabalhar para os privados? No dia 23 de cada mês, é. É o dia do pagamento. O pior são os outros 29 dias. Emprego há sempre, trabalho não.
Olhar para as médias é ingrato, porque uma generalização favorece os muito maus e é injusto para os melhores. Isso é válido para estas frases e para o estudo do Banco de Portugal (Maria Manuel Campos e Manuel Coutinho Pereira), que actualiza a diferença entre salários no Estado e fora dele: os trabalhadores do sector público auferem um salário médio "claramente acima" dos seus congéneres do sector privado. Quão acima? Era 50% superior em 1996, passou a ser 75% em 2005. A assimetria, diz o estudo, é ainda maior quando se calcula o salário por hora (trabalha-se menos horas no Estado).
Ganha-se mais dinheiro, trabalha-se menos horas e o risco de despedimento é zero. Humm... Que paraíso é este?
Não é paraíso algum, é um inferno para o País que o alberga, que paga estes custos para uma produção baixa e serviços mal prestados. Em média... A culpa é, portanto, dos funcionários públicos, certo? Errado. Quem tem de trabalhar mais são os seus chefes, os dirigentes.
Não é preciso ser um perigoso neoliberal para concluir que o Estado tem gente a mais ou trabalho a menos; custos altos e produtividade baixa. O pecado original vem de trás, quando desenfreadamente se subcontratou (na era Cavaco) e contratou (época de Guterres). Que fazer?
Hipótese 1: despedir. Impossível. Todas as circunvalações inventadas para dar a volta à questão (excedentários, supranumerários, mobilidade) falharam. Hipótese 2: fazer uma "desvalorização competitiva dos salários". É o que foi feito na última década, com aumentos salariais abaixo da inflação e, desde 2005, com o congelamento das progressões, uma medida cega para suspender outra medida cega (as progressões automáticas eram uma imbecilidade que dissuadia o mérito e a criatividade: o melhor era estar quieto e nunca pôr em causa o chefe). O problema foi que esse comportamento da última década foi mau para os dois lados: quem recebe compara os aumentos com a inflação; quem paga devia comparar com a produtividade. Daí que o aumento de 2,9% deste ano seja uma aberração eleitoralista.
Se as pessoas trabalham pouco ou mal, a culpa não é sua, mas de quem as contratou e as gere. E quem gere na administração pública ainda é (em média...) quem o partido gosta, quem a cunha prefere e quem a antiguidade protege.
Era tudo isto que esta reforma da Administração Pública queria dinamitar. Mas o secretário de Estado que desenhou uma reforma perfeita no papel, João Figueiredo, foi-se embora antes da obra. O arquitecto não quis ser engenheiro e o resultado é pífio. As progressões tornaram-se mais lentas (em média, passou de três para dez anos), as avaliações continuam omissas. Há ainda dirigentes do Estado que não respeitam as ordens do ministro, não definem objectivos, não avaliam os funcionários (contra o interesse destes!), e passam incólumes a essa "desobediência civil". No final, esses funcionários estão a ser avaliados... pelo "curriculum"! É a negação da reforma.
A Administração Pública tem muitos chefes relapsos e bloqueadores, que derrubam com a inércia o que põe em causa o seu posto. Sobram os funcionários e 1.500 proscritos no quadro de mobilidade, um fracasso onde na prática estão de castigo os que não aceitam ser transferidos de serviço.
A reforma da Administração Pública era a mãe de todas as reformas. No fim da legislatura, a mãe falhou. Venceram os filhos da mãe.
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