O pomposo nome - parceria público-privada - poderia ser sinónimo de partilha, cooperação, aliança para consumar objectivos comuns. A prática, no entanto, tem vindo a demonstrar que esconde uma relação desigual, na qual frequentemente o Estado se põe de cócoras perante o investidor privado, prestando garantias de chorudos lucros, oferecendo contrapartidas e compensações e assumindo todos os riscos associados ao negócio. Com cumplicidades que nunca têm rosto, porque nunca são chamadas à pedra.
Sem discutir a bondade do modelo, por mais de uma vez o Tribunal de Contas (TC) denunciou as tropelias que se praticam à sombra das parcerias público-privadas. Voltou agora à carga, a propósito da prorrogação por mais 27 anos da concessão do terminal de contentores de Alcântara do porto de Lisboa à Liscont, empresa do grupo Mota-Engil, liderado pelo ex-ministro socialista Jorge Coelho. O relatório do TC é um verdadeiro manual de como não se deve fazer, se a intenção original é salvaguardar os interesses do Estado, que somos todos nós.
Conclui o tribunal, sem pintar as palavras de cor-de-rosa, que o contrato "não consubstancia nem um bom negócio, nem um bom exemplo, para o sector público, em termos de boa gestão financeira". Um olhar de relance basta para perceber porquê. Em contexto de crise, tudo desaconselhava a mexer num contrato que só cessava em 2015, mas a Administração do Porto de Lisboa (APL) nem pestanejou. A renegociação, por ajuste directo, fragilizou a sua posição. Ninguém considerou sequer necessária uma avaliação quantitativa dos riscos para o Estado.
Ao longo de seis meses de negociações, foram introduzidos diversos ajustamentos ao modelo financeiro apresentado pela concessionária, "sempre desfavoráveis para o concedente público". O resultado foi um contrato em que o Estado assume o ónus, em especial se o tráfego descer. Os intervenientes no processo de negociação, segundo o TC, reconheceram que se não tivessem sido aceites as condições impostas pelos bancos financiadores, o projecto não se concretizaria. Esse "pequeno pormenor" não os levou a questionarem-se, o que é revelador de um certo modelo de funcionamento.
A concorrência - que, diz-se, é boa receita no capitalismo em que vivemos - não entrou no negócio do terminal de contentores do porto de Lisboa. A APL chamou quem já estava instalado e aceitou as suas condições para se acomodar por muitos e bons anos. Sempre com a "almofada" do Estado, com todas as garantias e mais algumas, evidentemente. Feitas as contas, o que interessou não foi propriamente acautelar o erário público, mas o equilíbrio financeiro do concessionário
Paulo Martins - JN
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