III República tem de ser refundada. A III República - a alcunha institucional de Portugal - precisa de uma nova luz. E essa luz só poderá nascer de uma reforma da Justiça. A Estrada de Damasco da III República será a reforma, ou melhor, a revolução da Justiça portuguesa.
Refundar a Justiça será uma epopeia com vários capítulos. Mas nenhum capítulo será mais importante do que este: acabar com a impunidade corporativa do Ministério Público (MP). O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público orgulha-se da autonomia do MP. Ora, o problema é precisamente esse. O MP é demasiado autónomo em relação aos circuitos de responsabilização democrática. Os procuradores - é bom relembrar - não são juízes; o MP não é um tribunal. Os procuradores são os advogados do Estado, e, como tal, deveriam estar ligados ao poder democraticamente eleito, isto é, ao ministro da Justiça (MJ). Porém, no actual statu quo, os nossos procuradores respeitam apenas o seu sindicato, e desprezam o MJ. Os procuradores portugueses não são advogados do Estado. São, isso sim, fiéis escudeiros do seu sindicato. Esta impunidade corporativa do MP, que escapa à responsabilização democrática, tem de acabar.
O nosso MJ não passa de um faxineiro. Não estou a falar deste MJ em concreto, mas do próprio cargo de MJ. Barack Obama não faria melhor do que Alberto Costa, porque o cargo é institucionalmente fraco. O MJ português é um assistente burocrático dos sindicatos de magistrados: só serve para comprar computadores e para pagar as contas da água e da luz. O MJ não fixa prioridades de investigação, e não tem qualquer poder dentro do MP. É um ministro fantasma. É um ministro sem pasta. Por outras palavras, Portugal não tem um político que responda pela incompetência da Justiça. Quando surge um escândalo judicial, nós nunca sabemos de quem é a culpa. Será do MJ? Ou será do procurador-geral da República (PGR)? A culpa acaba por morrer solteira, e o país fica sempre sem um rosto para responsabilizar. O MJ e o PGR, de facto, mandam muito pouco. O verdadeiro poder mora no ilegítimo sindicato dos procuradores. Isto tem de acabar. O nosso Estado de Direito é refém de um sindicato.
Nos EUA, o attorney general é, digamos assim, um ministro-procurador. É este o modelo que devemos seguir. Devemos fundir os cargos de MJ e PGR. Afinal de contas, num Estado de Direito democrático, o procurador - o advogado do Estado - só pode ser um ministro que preste contas ao fim de quatro anos. Portugal precisa de um MJ a sério, e não de uma mulher-a-dias que, por acaso, se senta no conselho de ministros.
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Em "O Romance morreu - Crônicas" (Companhia das Letras; edição brasileira), descobrimos que o escritor brasileiro Rubem Fonseca estava em Berlim quando o muro caiu em 1989. Na crónica 'Reminiscência de Berlim', Fonseca descreve o sentimento das pessoas que derrubaram o comunismo: os berlineses orientais queriam ser 'europeus', queriam o modo de vida ocidental. Ou seja, a maior movimentação popular da história recente foi uma adesão ao liberalismo. Em 2009, no meio dos delírios antiliberais que por aí andam, convém recordar este insignificantíssimo pormenor.
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